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Edson Batista da Silva

Agricultores

Todas quintas-feiras, de toda semana, de todo mês, eles chegam, recipientes cheios de abobora, mandioca, alface, tomate, mexerica. Outros trazem ovos, quitandas, queijo, polpas, doces. Outros tantos trazem gueiroba, milho verde, abacate, cheiro verde. Ajeitam as barracas, dispõe seus produtos, esperam chegar as 5:00h para o apito de autorização para comercialização.



Trabalho e saber acumulado, suor do dia-a-dia. Eles viram as criações e plantações nascerem, crescerem e chegarem no ponto da venda. Para isso teve a lua, a hora certa de plantar, carpir, apartar. O ponto do doce, do bolo, da farinha, do polvilho. Também teve a capadura do porco, da porca, do animal de lida. Ali estão mercadorias, produto de saberes invizibilizados, desconhecidos, não comprovados nos laboratórios de Harvard.


A despeito disso, eles rendem sabores a culinária goiana, tem a carne de porco caipira, o quiabo, o milho verde para fazer o angu, o milho cozido, a pamonha, tem a carne de frango, de galinha caipira. O sol já está baixo como se diz no campo. A rua não é ocupada apenas por transeuntes que vagam a ermo.

O senhor na sua velha “monarck” de guerra, o professor que saí da escola, o médico que fechou o consultório, a atendente da loja de eletrodomésticos, de materiais de construção, de roupas se deslocam para um único ponto, “A FEIRA.”

Como ninguém come apenas soja e cana todo dia, mesmo que sejam culturas agrícolas necessárias, a feira é o lugar de satisfazer uma necessidade natural do homem e da mulher não produzidas pelo agronegócio monocultor, mas, pelos homens e mulheres do campo. Lá está a comida, o alimento produzido pelos agricultores.

Rostos queimados pelo sol, mãos marcadas pelo trabalho cotidiano na terra e com a terra, solícitos a vender o que produziram. É preciso ganhar a vida. Os sons se espalham, gargalhadas, galhofas, risadas. Os sujeitos da oralidade, pouco afeitos a quem não dá um bom dia, boa tarde, boa noite estão no urbano. Reocupam a praça "CASTELO BRANCO", dão outro sentido a um espaço que não tem sentido nenhum de ter este nome, apenas de reafirmar a importância de ditadores e não de homens do povo, construtores desta cidade do Centro-goiano.

Vendem e encontram velhos amigos do campo e da cidade, atualizam os assuntos da vida custosa do dia-a-dia; os políticos que roubam, as empresas que exploram, a natureza que muda.

Na prosa adiantam: - Você já viu prefeito, governador e presidente pobre. – Não, pobres somos nós, mas, com saúde graças a Deus. A conversa continua: - Por quanto você está vendendo seu leite? – barato, muito barato. E a carne: - vixe, essa caiu demais, mas no açougue continua o mesmo preço, você viu?

Conversam sobre o sol mais quente, a água mais escassa, a chuva pouca, as doenças que aumentam. Os fregueses pechincham, especulam o preço, negociam o valor do alimento. Mas também proseiam sobre a vida. São convidados para um café, um almoço. No campo se conversa e come, come e conversa. A linguagem está na fala e na comida. A feira, ah... a feira em Itapuranga e em todos lugares é espaço de trocas para além da mercadoria.


Mas a comida ali é importante. Comida que deveria ser preocupação de quem também está no urbano, a diminuição dos camponeses representa sua diminuição em quantidade e diversidade. Até onde eu sei, ainda não vi máquinas sozinhas, vagando como robôs, produzindo arroz, feijão, alface, carne, doce. São sujeitos de carne e osso, com seu trabalho e de sua família que colocam na sua mesa. Cuidam com esmero e cuidado das plantações e criações para você comer.


São camponeses, eu assim os denomino, porque os elementos os constituem, permitindo tal acepção. Eles? Eles se deem o nome que quiserem, tem o direito de si identificarem da forma como avaliam como correta. Estão no campo, apesar da política de Estado precária, da escola distante, da terra escassa, da natureza desequilibrada, dos insumos aviltantes, do preconceito do populus; “pé vermeio”, “roceiro”, “da roça”, “atrasado”, “bobo da roça.”

Ou um pouco mais sofisticado, ao estilo acadêmico; “atrasado”, “lento”, “irracional.” Vão dizer que é mimimi, já sei. Ou um pouco mais rebuscado, se vitimizam, são portadores da síndrome do “cachorro vira lata”. Na naturalização da violência, na radicalização do individualismo, da competição que vivemos, a solidariedade as questões que cortam a carne do trabalhador do campo e da cidade ficaram abandonadas como a velha calça diz no guarda roupa.

Mas não mexam com eles, são sujeitos políticos, foram anarquistas com Nestor Majno e revolucionários com José Porfírio. Por fim, esse texto é uma singela homenagem a todos(as) agricultores(as), representados pelos Tiãos, Joãos, Marias, Peixotos, Josés, Augustas, Porfírios, Ambrolinos, Nativos, Margaridas e Teixeiras.


Homens e mulheres de fibra, garra, lutadores do povo, mas negligenciados pela história oficial. Não dão nome a ruas, avenidas e prédios públicos, como a praça de Itapuranga em que fazem a feira. Suas empreitadas em prol do avanço das conquistas dos homens e mulheres do campo, resultaram muitas vezes no sangue jorrado sobre a terra.


Nós, nos arautos da academia, escondidos em nossos feudos, que também dão nome de laboratórios, somos incapazes, como sujeitos da dita “CLASSE MÉDIA,” de nos mover, como vocês se movem em luta pela ampliação dos direitos sociais no Brasil. Parabéns a todos os agricultores e agricultoras pelo dia do agricultor


Por: Edson Batista.

(Professor de Geografia da UEG – Itapuranga).


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