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Nosso descontentamento, as anestesias e o “eterno retorno”

De onde vem esse descontentamento tão comum a todos nós? É preciso fortes doses cotidianas de egoísmo para olhar para o lado e não desejar que tudo fosse diferente, como é possível viver em um mundo ignorando a dor dos outros? E ao mesmo tempo para os que sentem a dor do outro é cada vez mais difícil viver nesse mundo tão frio e egocêntrico, quem de nós esta imune a tudo isso? Todo esse ambiente hostil faz com que os casos de depressões, isolamentos, ansiedade social e suicídio se tornem cada vez mais frequentes entre nós, chegando a nem causar mais tanto espanto (a morte já não causa mais tanto espanto). Como diria Belchior e pedindo permissão para mudar um pouco a frase “sei que assim falando pensas que esse desespero é moda em .... 2017”. Não é moda, esse descontentamento está aí nos olhos até dos mais “bem-sucedidos” de acordo com nossos padrões sociais, é latente em cada um de nós em maior ou em menor proporção, e está nos matando aos poucos.


Recentemente as notícias dos suicídios dos cantores Chester Bennington e Chris Cornell me abalaram profundamente, mais do que a afeição que eu tinha por suas músicas que ouço desde os 12 anos, o que realmente me incomodou foi o que levaria duas pessoas tão “bem-sucedidas” aos olhos de nossos padrões de sucesso na vida, tomarem tal atitude? O senso comum dará muitas respostas simplistas que serão aceitas facilmente pela maioria. Entre as respostas o que mais ouvi foi simplesmente “Suicidaram por falta de Deus” ou “...ah roqueiros são todos drogados”, e assim suas mortes foram banalizadas e os reais motivos ignorados. Mas o que ninguém se perguntou foi: Será que o problema não está em nosso padrão de “sucesso” estabelecido socialmente?


Todo ser humano é único, singular dotado de infinitas possibilidades, mas toda sua plenitude é podada aos poucos desde a infância para se adaptar, se encaixar no mundo tal como ele é, com todos seus dogmas, compromissos, responsabilidades, e hierarquias, somos cuidadosamente treinados pelas instituições a nossa volta (família, religião, mídia, escola, estado, comunidade) até que tudo isso faça parte de nós, e depois de tantas repetições se torne natural até mesmo dentro de nossas mentes. Nos tornamos padronizados, uma engrenagem que trabalha para que o mundo caminhe como sempre caminhou, ou como diria Roger Waters fazem de nós “apenas mais um tijolo no muro”.


Marx afirmou brilhantemente em seu livro “O 18 de Brumário de Luis Bonaparte” que: “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, e sim nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”


Tudo isso nos leva a uma vida no piloto automático, basta seguir o manual, estude, procure um trabalho, se case, tenha filhos, tenha dinheiro, tenha uma boa imagem, galgue degraus rumo a mais alta patente de sua hierarquia, e quando chegar ao fim, verá que teve “sucesso” ao viver a vida que planejaram para você, mas mesmo assim se sentirá frustrado por todos os sonhos que abandonou em nome de sua carreira, se sentira frustrado por todas as relações afetivas que deixou de lado por falta de tempo, se sentirá frustrado por toda a diversão que abriu mão em nome de acumular riquezas.


Toda essa frustração só não nos leva a um colapso mental por que cotidianamente nos entupimos de anestésicos químicos e metafísicos, de drogas que nos faz enxergar uma realidade distorcida mais amena em relação a aquela cruel que enfrentamos.


Estou farto dos anestésicos, já não me fazem mais efeito, todo esse engodo artificial e superficial que nos empurraram goela abaixo, horas e horas na frente de uma ou outra rede social no celular para não olhar o mundo a volta caindo em um looping infinito de tédio e desinteresse, a constante exposição de um véu de felicidade que esconde uma tristeza offline, as horas no sofá observando a vida do personagem da ficção que parece mais empolgante e interessante que a sua, a alegria da vitória do time no futebol no fim de semana para aliviar uma semana de tédio, descontentamento e cansaço, a cerveja ou o cigarro a droga que te transporta pra outra realidade que não seja essa.


Me cansa também toda essa muleta metafísica que te força a aceitar tudo isso como pronto e acabado, aceitar as tristezas e frustrações como sendo vontade de um ser superior por que a felicidade verdadeira e plena chegará após a morte, eu não quero morrer, eu quero a felicidade plena de uma vida repleta de vida e não de promessas fabulosas.


Diante de tudo isso me pego a observar essa vida por um viés diferente, por uma visão mais pura e simples, e ai me aproximo de um conceito de Nietzsche que muito me agrada: A busca pelo “Eterno Retorno”, que se baseia em tentar entender que mesmo diante do aspecto efêmero e transitório da vida, e de nossa total falta de controle sobre seus desdobramento, devemos buscar atingir a plenitude de cada momento, encontrar a beleza e a felicidade em cada instante como um momento de vida que valeu a pena viver, algo que apesar de efêmero gostaríamos que durasse para sempre. fazer da vida uma constante busca de situações das quais desejamos viver.


Talvez precisemos reinventar o que chamamos de sucesso, e entender que ser feliz em nada tem a ver com atingir as metas preestabelecidas por esse mundo que nos rodeia, que é possível romper as barreiras e construir uma nova forma de viver e se relacionar com o mundo. Buscando atingir a plenitude de nossa individualidade e ao mesmo tempo ampliando nossas concepções enquanto grupo proporcionando respeito e dignidade a todos, oferecendo a maior possibilidade possível de se buscar uma felicidade verdadeira. Esse mundo tal como se apresenta diante de nós não foi sempre assim e nem precisa ser. e mesmo em meus dias mais pessimistas ainda continuo a acreditar que somos capazes de construir um mundo melhor.


Boa semana amigos!

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