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Eu, Você e os Homicídios

Tenho procurado acompanhar atentamente alguns acontecimentos que acomete grandes e pequenas cidades espalhadas nos mais diferentes rincões brasileiros. Um desses fenômenos que me chama consideravelmente à atenção, está relacionado com o que consideramos por violência, materializada principalmente por meio dos incontáveis homicídios. Não é somente à ação em si que leva a reflexão, mas, principalmente as possíveis soluções apresentadas por representantes governamentais, autoridades especializadas e, também por parte da sociedade.



Na maioria das vezes, os representantes desses seguimentos mencionados acima, incapazes de compreender o fenômeno em si, nos apresentam como única alternativa para dirimir os impactos da violência em nosso meio, a sempre recorrente alternativa divina. Não pretendo adentrar no âmbito da fé, mas, me preocupa consideravelmente quando se recorre ao sobrenatural para solucionar os problemas sociais, por que essa forma de interpretação engessa as pessoas, quando, pelo fato desses indivíduos acreditarem que não tem nenhuma relação com o problema. Assim, como interpretam dessa forma, não estão preocupados com as causas, com as circunstâncias e muito menos com as possibilidades de resolução.


Designar à Deus a solução dos problemas construídos pelo próprio homem, está distante de ser um ato de fé, aproxima-se muito mais de um caráter egoísta do que qualquer outra coisa. Essa reflexão inicial, tão presente nos dias atuais, me faz lembrar do filósofo francês, Voltaire. Em muitos dos seus escritos, o autor do Cândido gostava de afirmar que: “Se Deus não existisse, precisaria ser inventado”. A possível e necessária invenção de Deus em suas reflexões, se apresentava como uma alternativa viável para à organização e, comumente como um controle da sociedade parisiense do século XVIII.


Chegou à essa conclusão por acreditar que as pessoas iriam ou, já teriam feito do mundo um caos inabitável se não acreditassem em uma força superior capaz de implementar à punição diante de seus atos. Em tese, para Voltaire a totalidade das pessoas não cometiam o homicídio, pegando o nosso exemplo já mencionado, não porque agiam de maneira ética ou, praticavam à tolerância para com as outras, pelo contrário, se não matavam era porque temiam uma punição, distante de ser humana, mas, uma punibilidade divina.


Muito mais do que apregoar uma necessidade de fazer com que as pessoas temessem, o filósofo francês nos apresenta uma característica humana voltada essencialmente para a perversidade diante e, em decorrência do contato social. Nesse interim, por mais contraditório que possa parecer, quem corrobora com o posicionamento voltairiano é o seu grande desafeto, Rousseau. O filósofo de Genebra, em mais de uma de suas produções afirma o seguinte: “O homem nasce bom, porém, a sociedade o corrompe”. De acordo que nos valemos dessas sínteses de pensamento, temos uma sociedade corruptiva e desestabilizadora do ser e, não um ser, no sentido subjetivo, pervertido e destruidor por natureza.


Nesse sentido, o cidadão(ã) se torna vulnerável diante da força arrebatadora da sociedade corruptiva e, diante da incapacidade de se posicionar de forma diferente, acaba contribuindo para a continuidade das mazelas, não por sua natureza, mas, pela natureza social. Essa é uma forma de interpretação em certo ponto corrente dentro do pensamento “filosófico francês do século XVIII”, estabelecendo uma crítica muito mais sistemática ao conjunto social, às instituições, do que propriamente ao sujeito.


Assim, tanto Rousseau quanto Voltaire, parecem compreender que o indivíduo não se encontra isolado, mas, acompanhado de todo um histórico de relações estabelecidas, no qual, essas relações inevitavelmente irão refletir em seu comportamento social, sendo esse agir na maioria das vezes prejudicial à sociedade, porque é justamente essa mesma sociedade que forma o cidadão.


Se por ventura, trouxéssemos essa síntese voltairiana e rousseniana para os dias atuais, poderíamos exemplifica-la da seguinte maneira: “Se um determinado sujeito comete homicídio, toda a conjuntura com quem estabeleceu contato, seja de forma direta, no caso pessoal, ou indireta, no sentido institucional, também pode ser considerada assassina”. Assim sendo, um sujeito nunca puxa o gatilho sozinho, primeiro o moldamos para isso e por último, não relutamos em ajuda-lo à puxar.


Estamos à mais de dois séculos de distância dos pensadores que nos deram sustentáculo para as reflexões e, mesmo assim, a maturação do tempo não conseguiu fazer com que possamos compreender a conjuntura sociocultural que foi e está sendo constantemente construída por nós. A incapacidade de leitura mais abrangente, nos credencia para o comodismo confortante da culpabilidade individual e, faz com que, acreditemos piamente na resolução por meio das ações sobrenaturais. Essas equivocadas interpretações propiciam uma intensificação dos problemas históricos, como a violência por exemplo, justamente por não reconhecemos quais são os fatores que à ocasiona, a saber, nós mesmos enquanto conjunto social.


Abraço e boa semana para vocês!

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