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Um Manifesto por um Estado Laico e Uma Nação Mais Tolerante

“Axé, pra quem é de axé, amém, pra quem é de amém, saravá, pra quem é de saravá, salaam aleikum pra quem é de salaam aleikum e que a força esteja com você pra quem é da força.” Foi assim, mais ou menos com essas palavras que se iniciou uma das manifestações de tolerância mais bonitas que presenciei partindo de uma religião durante uma festividade, a ideia do respeito a todas as outras crenças, implícita em uma saudação que abraça a todos os presentes, sem discriminação, e nem menosprezo as diferenças. O respeito como o princípio fundamental de uma coexistência harmoniosa. Mas esse tipo de prática é algo raro em um país de intolerantes e detentores da “verdade”, que enxergam no diferente um inimigo.


Em nosso país a violência contra diferentes religiões é uma prática recorrente, segundo dados da Secretaria dos Direitos Humanos (órgão nacional vinculado ao Ministério da Justiça) no ano de 2015 foram registrados pelo disque denúncia cerca de 300 casos de intolerância religiosa, porém esse número certamente seria bem maior se considerarmos os inúmeros casos que nem mesmo chegam a ser denunciados, ou se considerarmos também os casos que são registrados por órgãos regionais, como por exemplo a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR) onde foram registrados mais de 1.014 casos de ofensas, abusos e atos violentos de intolerância religiosa no Estado do Rio entre 2012 e 2015 sendo que desse número 70% tiveram como alvo praticantes de religiões de matrizes africanas.


Não raramente os jornais denunciam casos de intolerância como o sofrido pela jovem Kaylane Campos de 11 anos, atingida por uma pedrada na cabeça em junho de 2015, no bairro da Penha, na Zona Norte do Rio, quando voltava para casa de um culto e trajava vestimentas religiosas candomblecista. Também no estado do Rio de Janeiro, dessa vez em São Gonçalo, outro caso de ódio religioso foi registrado em 22 de outubro de 2015, cinco dias após ser instalado no Jardim Bom Retiro, o portão do Centro Espírita Pai Mané de Angola amanheceu pichado com a seguinte frase: "Aqui não queremos macumba". Em Araraquara, no interior de São Paulo, o Templo Religioso Hermínio Marques, de orientação umbandista, foi alvo, em setembro, de um incêndio criminoso, com a destruição de mais de 60 imagens de santos. Atitudes violentas como essas acabam ficando impunes, pela falta de atuação do estado para coibir e punir atos de intolerância religiosa, pois muitas vezes não reconhece tais práticas como crime.


É dever do Estado garantir direitos fundamentais tais como a liberdade e a segurança para a plena realização de cultos das mais diversas práticas religiosas, porém, a proteção dessa diversidade se torna extremamente fragilizada quando não possuímos um Estado verdadeiramente laico. Mas o que é um Estado Laico?


Entende-se por Estado laico a nação que que se posiciona de forma neutra em relação ao campo religioso, no Estado laico tem-se como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião. Em um estado laico há a separação entre religião e Estado, sendo que os valores religiosos não devem influenciar na elaboração das Leis e valores do Estado. Tal separação tem seu surgimento na Revolução Francesa no século XVIII, graças a influência de pensadores iluministas.


A Separação entre estado e religião é importantíssima para que o Estado possa garantir a pluralidade e liberdade de religiões em seu território, diferente de um Estado Teocrático onde a religião predominante é favorecida e determina Leis e comportamentos de uma nação. Por Lei o Estado brasileiro é laico desde 1891, quando a primeira Constituição da República estabeleceu a independência da administração pública com relação a qualquer instituição religiosa ou credo. Na atualidade, a Constituição de 1988 veda explicitamente (artigo 19) que a União, estados e municípios estabeleçam cultos religiosos ou igrejas, criem incentivos ou privilégios e mantenham relações de dependência com líderes ou instituições religiosas.


Apesar de garantida por lei a laicidade em nosso país é por muitas vezes fragilizada e até mesmo inexistente em grande parte dos órgãos públicos, e mais recentemente com a chamada bancada da Bíblia formada pela ascensão de diversos líderes religiosos influentes a altos cargos políticos ameaçando cada vez mais a laicidade de nosso país, pois estes legislam segundo suas crenças, ignorando completamente as opiniões e anseios daqueles que não pertencem ao mesmo credo.


Não é difícil perceber os diversos momentos em nosso país onde a religião se entremeia ao estado, se tornando normalizada. A nossa própria moeda nacional possui os dizeres “Deus seja louvado”, é comum encontrarmos órgãos públicos com crucifixos em suas paredes, como na própria câmara dos deputados em Brasília. Além da recorrente prática de cultos religiosos em prédios como prefeituras, hospitais públicos, ou a realização de orações em grupo em repartições públicas. Causando constrangimento aos que não professam a mesma fé nestes ambientes.


Mas o estado laico deve professar o ateísmo? Claro que não meu caro amigo, o estado deve ser indiferente a uma fé ou a falta dela, os espaços públicos, órgãos e repartições devem se manter neutros para que todos possam se sentir confortáveis e respeitados ao utilizarem os serviços públicos.


Façamos um exercício de empatia e vamos nos imaginar em ambientes públicos comuns onde a fé favorecida não fosse o cristianismo. Como você meu amigo cristão se sentiria ao entrar em uma cidade onde estivesse estampado com letras garrafais em um Outdoor os dizeres “Esta cidade pertence a Oxum”, ou se sua nota de 100 Reais possuísse os dizeres “Deus é um delírio”, ou se em seu local de trabalho tivesse que se reunir com os colegas diariamente para fazer uma oração para Iemanjá. No mínimo sentiria um desconforto. Agora imagine que esse favorecimento do Estado a uma religião X indiretamente contribui para que parte da população se sinta no direito de agredir e hostilizar as minorias que professam uma fé diferente da privilegiada pelo Estado. Pois bem, é exatamente isso que acontece em nosso Brasil.


Então é dever do estado se manter neutro em relação as crenças de X, Y ou Z religiões dentro de seus espaços institucionais, criar leis que atenda a toda a população de forma humanista levando o respeito e os direitos fundamentais a vida a toda a população, e também garantir a liberdade e o respeito a prática de todo ou qualquer culto em seus devidos espaços, proporcionando segurança, punindo discursos de ódio e promovendo direitos iguais a todos.


Precisamos entender que não é intenção do estado laico perseguir uma religião, mas a existência de um estado laico que leve a sério sua diversidade é de fundamental importância para a redução dos diversos casos de intolerância e violência contra religiões em nosso país. Claro que nossos problemas de intolerância religiosa não se restringem apenas a nossa deficiência, e incompetência para construir um estado verdadeiramente laico, há também toda uma limitação de pensamento e de consciência coletiva que deve ser superada a fim de construir uma cultura capaz de respeitar as diferenças, cultura essa que por vezes nos parece tão difícil de alcançar, mas precisamos ter fé (em quem você quiser), ação e persistência para quem sabe, construirmos um país melhor.


Boa semana amigos!

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