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A luta dos povos indígenas para sobreviver nos dias atuais



Sebastião Rafael Gontijo*


O que nos chama a atenção na atual conjuntura política e social do Brasil, é o descaso total das autoridades para com os segmentos que estão colocados à margem da sociedade, como os quilombolas, os favelados, os grupos LGBTQ e os povos indígenas, que sofrem um severo preconceito por parte das autoridades que governam nosso país, colocando-os em um patamar semelhante ao dos colonizadores quando escravizaram e assassinaram índios e negros em nome da religião e do desenvolvimento.


Se penetrarmos um pouco em nossa história, perceberemos que a mesma é contada da maneira como o dominador vê os fatos e não como eles realmente aconteceram, maquiando a verdade e colocando seu ponto de vista para encobrir e justificar os atos cometidos em nome da dominação exercida pelo colonizador desde a invasão em 1500, continuando até os dias atuais.


Não pretendo produzir um artigo científico, mas relatar fatos que foram registrados por pessoas que vivenciaram tais acontecimentos, que nos chegaram através da oralidade, ou relatos escritos, que têm se perpetuado ao longo dos anos e ainda estão vivos em nossa memória, como a tentativa de aldeamento efetuada pelos jesuítas, propondo a conversão dos gentios, que nada mais era que um tentativa de escraviza-los, colocando-os a serviço do dominador.


O genocídio começa nos aldeamentos perpetrado pelos invasores, que seguem o lema de alguns jesuítas que afirmavam que os “índios deveriam ser tratados a ferro e fogo porque não tinham lei e nem rei”, portanto não eram cristãos que seguiam os ensinamentos da Igreja. Partindo desta visão deveriam ser tratados como animais, submetidos ao trabalho escravo, ou perseguidos e mortos pelos colonos para evitar a resistência e a desobediência às leis impostas pelos dominadores e pelos missionários religiosos.


Na trajetória da colonização que inicia no século XVI e se estende até o século XIX, o genocídio continua, tendo lapsos em que alguns religiosos defendem os nativos e os escravos da sanha dos colonos e neste contexto podemos destacar a figura do sacerdote jesuíta Padre Antônio Vieira, e, posteriormente, já no século XIX a luta abolicionista que toma grandes proporções terminando com o fim da escravidão no ano de 1888, mas os indígenas continuam sendo mortos pela sanha do branco, através dos massacres e através das doenças transmitidas.


Esta situação se estenderá pelo século XX com o avanço do homem branco rumo ao interior do país, ampliando suas posses através da busca por novas terras para aumentar seus domínios e suas riquezas, não se importando em massacrar, mais uma vez, aqueles que haviam fugido de seus domínios na região do litoral. Esse novo encontro é mais danoso que o primeiro, já que o invasor estava mais preparado e era em número superior, promovendo um massacre ainda mais violento que o anterior.


Nos primórdios do século XX o contato do homem branco com os nativos foi inevitável, gerando novos conflitos e novas disputas pela posse da terra, que até então eram de propriedade das nações indígenas, que viviam em seus territórios ancestrais sem ser maltratados pelo invasor branco. Alguns conflitos existiam entre as nações nativas, ocasionadas pela disputa das áreas ricas em caça e pesca, não havendo um massacre em nome do progresso. Os perdedores procuravam um outro local para se estabelecer, continuando a defender seu novo território, prosseguindo com sua cultura e suas crenças religiosas.


Com a interiorização iniciada no período republicano, o governo central decide estabelecer a comunicação entre as províncias através do telégrafo, e nomeia o marechal Cândido Rondon, um mato-grossense descendente de indígenas para assumir tal empreitada, de levar as linhas do telégrafo aos rincões de nosso país. Uma tarefa difícil, que colocaria novamente o branco e o índio frente a frente, podendo gerar novos conflitos e novas disputas pela posse da terra.


As cinzas do passado novamente se transformam em chamas e as lutas recrudescem, com muita intensidade, tendo que ser mediada por Rondon. Na tentativa de defender os povos indígenas, ele consegue do governo central um decreto em 20 de junho de 1910 criando o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que irá vigorar até na década de 60. No entanto, mesmo sob a tutela de um órgão federal, os povos indígenas continuam sendo perseguidos e mortos em nome das ideias desenvolvimentistas.


No governo Vargas, mais um arroubo desenvolvimentista, cria a Marcha para o Oeste, na tentativa de unificar e ao mesmo tempo ampliar os horizontes econômicos, permitindo mais uma vez o genocídio dos nativos, nesta nova etapa, atinge a região Centro Oeste, em direção à região da Amazônia, não se importando em massacrar os povos através dos assassinatos, mas transmitindo doenças como a gripe, o sarampo e a caxumba, que dizimaram nações inteiras. Tais fatos só mais tarde foram relatados pelos irmãos Villas-Bôas, que denunciaram esse massacre e buscaram defender as nações que estavam correndo risco de desaparecerem.


Na tentativa de evitar um confronto sangrento entre brancos e índios, os irmãos Villas-Bôas lutaram incansavelmente junto às autoridades brasileiras no esforço para criar um local onde os índios se sentissem protegidos por leis federais e pudessem manter sua cultura e suas tradições milenares, sem ser agredidos pelos gananciosos brancos que não sabem respeitar as culturas ancestrais diferentes da sua cultura impositora.


Lutando contra o poder político e opressor dos brancos, em 1961 no governo de Jânio Quadros, sob a pressão dos irmãos Villas-Bôas, do estudioso e antropólogo Darcy Ribeiro e do marechal Cândido Rondon, foi criado o Parque Nacional do Xingu, com 2 milhões e setecentos mil hectares no norte do estado de Mato Grosso que iria abrigar 16 etnias e outas tantas línguas diferentes, sobrevivendo cada etnia dentro dos acordos pré-estabelecidos com cada nação que se abrigou dentro do parque. Estava consolidado, pelo menos momentaneamente, um período de paz entre os nativos e os opressores.


Mas a paz não foi duradoura e o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) se corrompe e passa a defender os direitos do invasor, massacrando nações inteiras e entregando as terras dos índios isolados para os fazendeiros em troca de dinheiro. Neste toma lá dá cá, denúncia de corrupção no órgão, o SPI é extinto e em 05 de dezembro de 1967, criou-se a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) que assumiria as políticas indigenistas para proteger e demarcar as terras indígenas. No decorrer dos anos, mais um órgão governamental que procurava de forma contundente promover a aculturação das nações indígenas, integrando-as à nossa cultura.


Houve uma reação por meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), liderados por um grupo de bispos que viam na evangelização um novo caminho de salvar a cultura e as tradições dos povos indígenas, respeitando a diversidade e defendendo seu território contra as invasões dos gananciosos. No dia 12 de junho de 1972 esse grupo de bispos que defendiam a Teologia da Libertação, funda o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que prioriza o respeito pela cultura e pela religiosidade de cada nação, no intuito de preservar a vida dos povos renegados e discriminados pela sociedade envolvente. Junta-se às ideias e filosofia do CIMI, a Sociedade Brasileira de Antropologia, formando uma linha de combate e um bastião em defesa dos povos da floresta perseguidos e massacrados pela sociedade envolvente, criando o slogan Y- JUCA PYRAMA (O ÍNDIO, AQUELE QUE DEVE MORRER). No entanto o CIMI muda o contexto para O ÍNDIO, AQUELE QUE DEVE VIVER.


No ano de 1980 em plena ditadura, um general que era presidente da FUNAI, afirmou categoricamente que em dez anos não teríamos mais nenhum índio no Brasil, todos estariam fazendo parte da cultura dominante. O que ele preconizava tinha um certo sentido, porque no Brasil, na época, o censo registrou apenas duzentos mil índios em todo o território nacional.


Foi aí que o CIMI entra em ação com dois projetos de relevante importância que foram os seguintes: a ação diferente de evangelizar e a questão educacional respeitando a cultura e os conhecimentos que as nações possuíam. No início as primeiras equipes se prepararam para esta missão tão importante e tão diferente das outras já existentes. Com o apoio da regional do CIMI Norte II, que tinha uma proposta de educação para os povos indígenas do Oiapoque, uma equipe de educadores da Diocese de Goiás, que tinha uma visão diferenciada de como educar, em 1982, ingressou neste projeto pioneiro no extremo norte do país, na perspectiva de serem úteis aos nossos irmãos que eram vistos como indolentes, sem se quer produzir para a sua sobrevivência.


Imaginem a nossa surpresa em encontrar um povo alegre e educado que nos tratou com respeito, foram tão gentis que ficamos envergonhados de sermos os diferentes. O projeto de educação do CIMI foi um sucesso e continua latente no seio das nações indígenas, hoje com professores nativos formados por aqueles pioneiros que acreditaram em uma utopia.


Hoje os problemas são semelhantes, ou melhor nunca chegaram a ser resolvidos de acordo com o desejo dos povos indígenas, que sempre foram perseguidos pelos grandes investidores no agronegócio, garimpeiros e madeireiros, desmatando e invadindo as terras já demarcadas e homologadas, causando sérios danos à saúde dos povos da floresta e ao meio ambiente. Como se não bastasse, neste momento de pandemia provocada pelo COVID-19, as autoridades fingem desconhecer o sofrimento e a morte em grande escala dos indígenas do Brasil.


Segundo os dados mais recentes, o número de mortes entre os indígenas é assustador, já atingindo 349 mortes e 7.753 infectados, esses números são aproximados, fornecidos pelo CIMI. Tudo isto acontecendo com a conivência das autoridades que deveriam defender a vida, mas que preferem promover a destruição e levar a morte aos nativos, sobretudo neste momento de pandemia do COVID-19, que estão aproveitando para passar a boiada, dizimando nossos irmãos nativos. Não vamos PASSAR A BOIADA! VAMOS CERCAR A BOIADA! Impedir que a boiada destrua a vida dos nossos irmãos que vivem e defendem a vida e o meio ambiente.





Texto do leitor: Sebastião Rafael Gontijo

*Possui graduação em Letras e mestrado em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás. Por mais de três décadas foi professor da Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária de Itapuranga.



FONTES/REFERÊNCIAIS

SPI Serviço de Proteção ao Índio. Pib socioambiental.org/pt/seviço de proteção aos índios.


PARQUE INDÍGENA DO XINGU.pt.wikipedia/wiki/parque indígena do Xingu.


FUNAI PT.WIKIPEDIA.org/wiki-fundaçõ-nacional-do-indio


CRIAÇÃO DO CIMI. Cimi.org.br

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