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A Magia do Futebol em Tempos de Copa do Mundo

Foto do escritor: Lucas PiresLucas Pires


Com a aproximação da final da Copa do Mundo, envolvendo Croácia e França, é inevitável não falar de futebol no país que já foi considerado o berço desse esporte. Talvez, hoje não seja mais, não necessariamente pelos resultados ruins diante das últimas competições de grande envergadura, mas pelo distanciamento, aparente, da população com o esporte mais popular do planeta.


O distanciamento reflete, de forma direta, na principal competição do país, que é o Campeonato Brasileiro. Por exemplo, a média de público no ano de 2017 não superou os 16.000 mil pagantes. Somente para comparação, a Premier League, considerada a melhor competição de futebol do mundo, teve na temporada 2017/18 a média de 36.522 pagantes, ou seja, mais do que o dobro do Campeonato Brasileiro.


É evidente que somente os números, pelos números, não explicam muito, porque há uma série de variantes que podem ser inseridas no processo de comparação, como, por exemplo, qualidade técnica, horário dos jogos, condição socioeconômica dos/as torcedores/as, preço dos ingressos, locomoção para os estádios, conforto, segurança e outros. Porém, a simples constatação é importante para, no mínimo, duvidar da máxima que o Brasil é o país do futebol.


Recentemente, antes do início da Copa, segundo pesquisa realizada pela CNT/MDA, em torno de 42% da população estava pouco interessada em acompanhar a competição. A constatação não é surpreendente, porque se observado for o desinteresse dos nacionais para com o principal torneio de futebol do país, não poderia haver uma comoção tão grande com a Copa do Mundo. Porém, os motivos alegados pela sociedade, perceptível por meio das redes sociais, para não ligar para a Copa eram outros, e não necessariamente o desinteresse pelo futebol.


Nesse sentido, era possível constatar o descontentamento de parte da sociedade com o país, associando o futebol há representação social, assim como o sempre presente entendimento da CBF como entidade corrupta, acarretando na compreensão de que a seleção não pertencia ao povo, mas à confederação, o vexame do selecionado na última copa, representado pelo eterno 7x1, em favor da Alemanha, a apropriação da amarelinha pelos apoiadores do golpe parlamentar, fazendo com que parte da esquerda passasse a ter ojeriza da camisa do selecionado, não pelo que representa, mas pelo que passou à representar, e também, embora esteja associado com a quase totalidade dos outros fatores, à clássica definição de que o futebol é o ópio do povo, e que o país tinha questões mais sérias para se preocupar.


A resistência para com a Copa parecia ser um fenômeno irreversível no Brasil, possível de se evidenciar pela experiência prática do dia a dia, quando nos dias antecedentes a abertura, era muito difícil sair às ruas e ver veículos circulando com apetrechos, entenda bandeiras, do selecionado nacional, o comércio, seja grande, pequeno, exibia timidamente, quase pedindo desculpas por fazê-lo, os produtos para serem consumidos pelos/as torcedores/as.


As camisas com o nome e número do Neymar, do Philippe Coutinho, e do Gabriel Jesus, até então esperanças para a conquista do hexa, não eram encontradas nos corpos de meninos e meninas que resistiam brincando de futebol nas ruas das cidades. Aliás, independentemente do esporte em questão, é cada vez mais difícil encontrar crianças brincando e aprendendo por meio das atividades culturais desenvolvidas na rua. Enquanto sociedade, estamos perdendo a capacidade de aprender por meio do lúdico.


Mas, voltando para o assunto central da coluna, quando a Copa começou a resistência para com a competição foi diminuindo dia após dia. Veículos passaram a ser adornados com apetrechos, foi possível encontrar com muito mais facilidade às crianças vestidas com as camisetas do selecionado brasileiro, às redes sociais foram inundadas com assuntos voltados para o evento, como críticas endereçadas as atitudes do “garoto” Neymar, quem desejou não usar amarelo partiu para o azul e para o vermelho, àqueles/as que resolveram não torcer para o selecionado se organizaram para acompanhar o máximo de jogos possíveis, quem não se identifica criticou quem se identificou, àqueles/as que torceram ficaram contrariados com quem optou em não torcer, dizendo para não confundirem alhos com bugalhos.


Enfim, desde quando da abertura da Copa, no dia 14 de junho, o que se tem percebido é a aproximação da sociedade brasileira com o futebol. É possível que a relação de proximidade tenha se intensificado com os êxitos conquistados pelo selecionado nacional, deixando, até a eliminação para os belgas, a sensação de que o hexa era possível. Diante da tentativa de percepção social, e das várias possibilidades para se compreender os motivos que levaram a sociedade a se aproximar da Copa, um, em especial, me chama a atenção, a saber, a magia do futebol.


Independentemente de torcer para o hexa, ou não, de gostar muito, ou nem tanto, foi a magia do futebol, envolvendo diferentes valores históricos, culturais, de identidade, políticos, geopolíticos, rivalidade, prazer pela vitória, desespero, emoção, razão, previsibilidade, imponderável, sorte, azar, gratidão, questões do jogo, grandes jogadas, defesas impossíveis, mas que foram possíveis, gols imperdíveis, no entanto perdidos, e tantos outros fatores que fizeram com que a sociedade se aproximasse da Copa, e principalmente, da essência futebolística.


De fato, no âmbito da magia, o futebol presente na Copa do Mundo envolve, fazendo com que uma sociedade que teria tudo para se distanciar, se aproximasse consideravelmente. Levando em consideração os meandros do lúdico, talvez seja possível descontruir a ideia de ópio, entendendo que a relação futebol e sociedade, embora pareça obvio, está muito além das quatro linhas.


Afinal, as constantes quedas do Neymar foram artimanhas do futebol, ou representam a falta de ética do jogador, sendo uma característica cultural? A Croácia, sendo campeã, evidenciará a vitória do fascismo, ou seria injusto generalizar? Se a França levantar a taça será o êxito do colonialismo histórico? E a presença de tantos imigrantes no time francês, qual reflexão nos leva? O técnico do México, Juan Carlos Osório, foi machista ao dizer que futebol é para homens? As narradoras da Fox evidenciam a conquista de espaço do feminismo? A desclassificação do selecionado brasileiro é resultado da má gestão da CBF? E se o Coutouis não tivesse feito a diferença, o Brasil seria campeão? Por que o Gabriel Jesus não conseguiu jogar como joga no City? A importante função tática de Olivier Giroud, esconde a sua deficiência técnica? Quem será o melhor jogador da competição?


Enfim, a magia do futebol pode ser explicada pelas diferentes formas de acompanha-lo, seja por meio de análises racionais, ou, também importante, emocionais. Diante disso, é natural que uma sociedade, como a brasileira, demonstrando estar desinteressada pela Copa do Mundo, viesse a se envolver de forma tão incisiva como se envolveu na medida que o juiz apitou e a bola rolou. O envolvimento, passa, impreterivelmente, pelas diferentes representações que uma competição, envolvendo todas os continentes, apresenta.


Diante de um texto que se propôs à pensar sobre magia, não poderia termina-lo sem antes agradecer ao maestro Oscár Tabárez, não somente por ter resgatado o futebol uruguaio, mas por ter demonstrando, durante sua longa passagem pela Celeste, que é possível conciliar futebol e ética.

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