O Brasil continua matando seu povo, prossegue matando sua gente, mata sem dó, sem piedade. O estado suicidário, descrito por Vladimir Safatle, faz todo o sentido não apenas para compreendermos os fatores que levam uma parcela considerável da sociedade se colocar à disposição da morte, pelo puro prazer do embrutecimento, mas também porque o estado suicidário empurra cada vez mais pessoas, não embrutecidas, para o abismo, empurra alegremente para a morte.
O Brasil está matando, as pessoas estão morrendo de Brasil. Nesse momento há pessoas que não possuem a mínima condição de compreender o que está acontecendo, outros não querem compreender, são os famigerados isentos, com esses não me importo porque não se importaram e não se importarão, existem, também, aqueles que compreendem e sentem o maior prazer em ver o projeto de destruição de sonhos e de vidas no seu estágio mais nefasto, no seu estado mais puro. Por último, mas não menos importante, é necessário destacar às verdadeiras vítimas do estado de destruição, a saber, os preocupados, os angustiados, os doentes, não sendo raro encontrar pessoas no estágio terminal e, evidentemente, os mortos. O cenário é esse.
O Estado, o Brasil, não poderá ser compreendido se analisado como conceito/categoria abstrata. O modus operandi do Estado está envolto em uma conjuntura social que possibilita a sua sustentação. Nesse sentido, se existe a constatação de que o Brasil está matando o seu povo, está matando a sua gente, torna-se cada vez mais necessário compreender quem são os brasileiros fraticidas que dormem tranquilamente depois de mais um dia com milhares de mortes e de mortos.
Os perversos, os brutos, os cúmplices da barbárie são aqueles/as que continuam apoiando o modo de gestão de corpos do Brasil. Os brutos fazem da necropolítica uma regra, uma máquina de empilhar corpos e mais corpos. Os cúmplices são todos aqueles que não se arrependem, que vão até o final abraçados com a morte, não medindo as consequências para verem o quão feio o final é. Esses indivíduos perderam todo o resquício de humanidade, são movidos pela configuração mais perversa e violenta de formação do Brasil. Encontram-se enlameados ao caos, séquitos do genocídio e do genocida, responsáveis pelas mortes que roubam milhares de vida nos mais diferentes rincões brasileiros.
Não existe meio termo para definir os defensores do governo da destruição, os defensores da necropolítica/suicidaria, é necessário ter coragem e dizer o que verdadeiramente são. Essas pessoas tornaram-se perversas, cúmplices, são diretamente responsáveis por todas as vidas que já se foram e pelas mortes que, infelizmente, ainda ocorrerão. Não banalizaram o mal, representam, por meio da configuração humana, a própria perversidade em pessoa.
Dificilmente o país conseguirá se desvencilhar do ódio reinante, principalmente se levado em consideração o seguinte fato, a saber, o ódio está distante de ser subjetivo. Nesse sentido, não é demasiado afirmar, o fenômeno do embrutecimento, do regozijo diante da morte, é muito mais amplo e complexo do que seu mentor intelectual. Engana-se quem pensa que para derrota-lo seja suficiente somente à retirada da representação. Quiçá fosse, o fenômeno tem fome, encontra-se insaciável e, não resta dúvida, diante da retirada de um, os insaciáveis substituirão por outro.
O rosto poderá ser diferente, mas a estrutura permanecerá intacta porque aqueles que batem palma, que dançam diante da morte de seus semelhantes não têm a mínima disposição para parar. Encontram na pandemia a possibilidade de efetivação dos desejos mais insanos. A morte, nesse cenário, deve ser entendida como desejo, como projeto de eugenia, isso explica a ausência de lamentação diante da morte dos mais pobres, dos negros, dos favelados, do trabalhador precariado. Em detrimento da tristeza, existe alegria, em detrimento da empatia, a certeza da consumação do projeto de destruição. Quem votou na arma desejava ver o circo pegando fogo. Esse é o cenário despido para quem deseja ver.
O cenário é o mais horrível possível, é perverso, é desolador, é bruto, restando a cada um de nós esperarmos pacientemente pela nossa hora. Os neofascistas não vão parar, perceberam que os meios mais adequados para derrota-los foram os mesmos que abriram a porta da casa, convidaram para sentar no sofá e ofereceram uma xícara de café com pouco açúcar. Sentindo-se confortavelmente acomodados no sofá, dificilmente levantarão, hoje acompanham a destruição do país, acompanham a destruição do seu povo e de sua gente na maior tranquilidade. Eles não vão embora.
Se a morte se aproxima rapidamente, se a morte parece cada vez mais inevitável, temos, pelo menos, o direito de saber quem matou e aguarda ansiosamente chegar a nossa vez. Não somente temos o direito, mas como sabemos quem são, sabemos onde eles e elas estão. Como sabemos, temos o dever de não esquecer o rosto dessas pessoas. Reconhecendo a nossa incapacidade de sair do golpe, sobrou, somente, a indiferença diante dos nossos futuros assassinos.
Aos meus assassinos de amanhã, minha indiferença hoje.
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