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Bolsonaro e a verdadeira Ditadura



Quando Bolsonaro convocou manifestações em defesa do seu governo e contra o congresso e o STF, divulgada pela jornalista Vera Magalhães, a pergunta mais premente foi; Teremos condições de resistir ao golpe? Não resta dúvida que a pergunta tem a sua importância, até porque a capacidade de resiliência da esquerda parece ser bastante frágil nesse momento, principalmente se levada em consideração às disputas de egos que ainda persistem, culminando na incapacidade do campo progressista de compreender o cenário atual, apostando, como sempre, na conciliação. No entanto, a conjuntura exige, desesperadamente, ruptura e enfrentamento ao fascismo.


Estamos resistindo já tem um bom tempo. Os resultados da resistência podem ser expressos na ideia da utopia para a manutenção, lutando como nunca para atenuar o impacto das perdas. É evidente que diante da ascensão do fascismo, resultando na política de destruição, a luta mais urgente está relacionada na manutenção de algumas garantias elementares. Porém, outras inquietações parecem ser urgentes, a saber, até quando vamos resistir? Estamos resistindo suficientemente? Enfim...


Confesso que essas perguntas fazem parte do cotidiano, e as respostas variam muito, dependendo consideravelmente da ocasião. Por exemplo, quando vejo pessoas se organizando, saindo às ruas, aproximando-se dos movimentos sociais, categorias procurando refundar sindicatos, entre outros exemplos, tenho a certeza de que a resistência está cumprindo, minimamente, o seu papel. No entanto, a capacidade de resistência encontra alguns, ou melhor, todos os obstáculos diante do fascismo. O filólogo Roland Barthes assegurou que a essência do fascismo não é impedir as pessoas de dizerem, mas obriga-las a dizerem o que não querem. O fascismo, à moda brasileira, tem atuado sistematicamente no campo do discurso, obrigado as pessoas a fazerem afirmações que vão ao encontro do projeto de destruição em curso.


Apesar da relevância das ações desenvolvidas no ano passado, destacando as manifestações em defesa da educação pública, torna-se cada vez mais comum ouvir pessoas dizendo que a luta coletiva não importa, o mais importante seria a sobrevivência individual, o famigerado cada um por si e Deus para poucos. Quando indivíduos de trajetória de luta, diante de um contexto que necessita como nunca do coletivo, da luta em comum, começam a acreditar que o caminho a ser seguido é o “salve-se quem puder”, não resta dúvida de que esse é o exemplo mais significativo da vitória do fascismo. A conjuntura de perdas e a relativização do mal obrigam as pessoas a acreditarem que o mais importante é salvar a própria pele enquanto o outro é devorado pelo canibalismo fascista.


Porém, diante da opressão, engana-se quem pensa que reúne condições de se salvar sozinho. No fascismo ninguém se salva como um “cavaleiro solitário” porque o suporte que sustenta o indivíduo é feito de papel. Quem pensa na salvação individual deve estar ciente, a qualquer momento o guarda da esquina poderá aparecer, e quando ele aparecer é melhor estar com a comunidade do que enfrenta-lo sozinho.


O fascismo oferta poderes aos medíocres, aos violentos, aos incapazes de raciocinar, oferece suporte aos que substituem o cérebro pelos músculos, ou melhor, pelas armas. Nesse sentido, o enfrentamento deve ser sistemático, enfrentar o sistema e a conjuntura fascista é uma condição sine qua non. A luta somente contra Bolsonaro será uma luta em vão. Afinal, retira-se Bolsonaro e quem assumirá o poder é o General Mourão. O general e o ex-capitão não representam o mesmo projeto de poder? Indubitavelmente, não há diferença entre Bolsonaro e Mourão, ambos defendem o projeto de destruição intensificado nos últimos anos. Destruição das políticas públicas, destruição dos direitos civis, destruição das políticas ambientais, sociais, e tantas outras catástrofes impostas.


O projeto em curso tem um fito único, a saber, favorecer o mercado financeiro. O mercado não se importa com princípios democráticos desde que o projeto de poder lhe ofereça condições para ter lucro. Quando se observa o lucro das instituições bancárias, a reforma da Previdência já aprovada e as reformas que começam a tramitar no congresso, não restam dúvida que o modus operandido governo Bolsonaro favorece o mercado de forma considerável.


Na perspectiva do filósofo Vladimir Safatle, o Brasil é na atualidade o laboratório do mundo, no sentido de fazer à junção do neoliberalismo com o fascismo. O neoliberalismo nacional é fascista, ponto. A partir da constatação haverá melhores condições de desnudar o fenômeno. Por exemplo, diante de inúmeras declarações e tentativas do governo de consolidar uma Ditadura bolsonarista, alguém conseguiu ler, pelo menos, uma nota dos representantes do mercado financeiro denunciado a possibilidade de golpe? Não, ninguém leu, pelo contrário, o que mais se acompanhou fora os representantes do mercado financeiro assegurando que o teor dessa e de tantas outras declarações e manifestações fascistas não atrapalhariam o andamento das reformas.


O próprio Rodrigo Maia, representante do mercado financeiro na Câmara dos Deputados, afirmou que a fala do Presidente da República não traria impacto para a tramitação das reformas administrativa e tributária. Defender as instituições é importante, mas é necessário compreender quais são os interesses que as instituições brasileiras defendem. A fala do Presidente da Câmara torna-se indício de resposta. As manifestações contrárias às reformas destrutivas desde o governo Temer e severamente reprimidas pela Polícia Militar nos dão outra resposta. O neoliberalismo sabe, mesmo que demore, haverá o momento da revolta popular, haverá o momento no qual as pessoas sairão às ruas para lutarem contra as políticas neoliberais. É justamente nesse momento que o mercado financeiro necessitará, como nunca, do guarda da esquina. Já prevendo a revolta, o neoliberalismo oferece, desde agora, poderes ao protetor dos seus interesses. Ninguém protege mais os anseios do mercado financeiro do que as forças de segurança do estado.


Bolsonaro representa o fascismo dos trópicos, mas todo fascista, todo político com traços ditatoriais representa um projeto de poder muito maior do que um projeto pessoal. Com Bolsonaro não é diferente. O presidente da República é autoritário, antidemocrático, representa como poucos a volta do fascismo no cenário político, porém todas as suas ações são tuteladas e legitimadas pelo neoliberalismo. Porém, a verdadeira Ditadura não é Bolsonaro, o ex-capitão é somente um fantoche da Ditadura que está em curso desde 2016.


A verdadeira Ditadura tem nome, podendo ser chamada de Neoliberalismo, mas, para os íntimos, tais como a grande imprensa, ela é conhecida como mercado financeiro. Lutar contra Bolsonaro e não compreender os interesses que ele representa será uma luta em vão. Bolsonaro e Morão são faces da mesma moeda, são tutelados e legitimados pelo modelo econômico vigente. Enquanto não derrotarmos o modelo neoliberal, que passa pela derrota de Bolsonaro, Mourão, Huck, Dória, Amoedo e tantos outros, estaremos convivendo cotidianamente com a ditadura.


A Ditadura neoliberal no Brasil é interessante, ela ataca desde escolas até Universidade, destrói o meio ambiente, mata pessoas pobres e periféricas, retira todos os direitos civis, ataca territórios indígenas, empobrece a maioria da população, mas nos oferece o empreendedorismo individual, destacando os famigerados cursos técnicos. Esse é e continuara sendo o discurso vigente, essa é a verdadeira Ditadura, é a ditadura imposta pelo neoliberalismo, do qual Bolsonaro é o mais significativo e poderoso representante. Nesse sentido, em vez de nos indagarmos se haverá golpe, temos que fazer a seguinte pergunta; Quando conseguiremos derrotar, definitivamente, o golpe que está em curso desde 2016? A resposta, ou não, da pergunta demonstra a nossa capacidade de entender o fenômeno político e econômico imposto cotidianamente. Derrotar o fascismo significa derrotar o modelo neoliberal. A derrota do neoliberalismo é, também, a derrota do bolsonarismo.


Nesse sentido, a capacidade de organização passa, prioritariamente, pela possibilidade de apresentar e lutar por outro modelo político/econômico. Romper com o capitalismo é a chave elementar para a consolidação da verdadeira Democracia. O momento não requer conciliação, a construção de uma frente ampla em defesa do estado democrático de direito deve levar em consideração os princípios da luta anticapitalista. Caso contrário, o fascismo continuara ativo, distribuindo as cartas, empobrecendo os mais pobres e reprimindo quem se levanta contra a miséria social.

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