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Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta: uma intepretação da vitória do Partido dos Trabalhadores


Imagem: facebook.com/paulinhoimila

Apesar das dificuldades enfrentadas pela esquerda partidária nas últimas eleições municipais, não pode passar despercebido algumas conquistas do campo popular que são muito significativas. Difícil traçar um paralelo entre essas vitórias, principalmente porque, aparentemente, essas conquistas não seguem uma pauta comum, e tampouco podem ser observadas como um microcosmo do processo eleitoral de 2018. Não se trata de negligenciar as interferências da disputa presidencial, mas ter o princípio de procurar explicar às conquistas eleitorais do campo democrático como sendo reflexo da ascensão da extrema-direita no país me parece de uma confusão interpretativa considerável. Diante das especificidades, fator que impossibilita uma leitura mais geral, procurarei me ater a um fenômeno mais específico, a saber, a vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores no município de Itapuranga, representada na eleição de Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta, prefeito e vice prefeito respectivamente.


O Partido dos Trabalhadores possui militância histórica e engajada no município de Itapuranga, quando desde o início da década de 1980, período entrelaçado à fundação do PT a nível nacional, tem se mobilizado e se organizado política e socialmente, conseguindo construir uma forte base social por meio de associações, sindicato, tendo como pauta efetiva a defesa de políticas públicas como mecanismo de transformação social. Assim como a maioria da esquerda partidária no Brasil, oriunda dos anos finais da última ditadura militar e, não menos importante, da derrocada do socialismo soviético, o Partido dos Trabalhadores itapuranguense, pelo menos no sentido majoritário, teve dificuldade para propor o enfrentamento efetivo aos interesses do grande capital, procurando pautar suas ações, quase sempre, na defesa de uma vida mais digna para as pessoas, acreditando na luta pela igualdade de direitos dentro da própria conjuntura capitalista. Luta pela igualdade de direitos que não deixa de ser importante.


De forma mais efetiva, a luta histórica do Partido dos Trabalhadores no município encontrou ancoradouro no último processo eleitoral, representada mais diretamente na figura do Dr. Paulo Horta, considerado uma liderança histórica do partido na região e uma das figuras mais importantes na consolidação do PT no município de Itapuranga. Embora mais jovem, Paulinho Imila também representa essa trajetória histórica do partido, principalmente se levando em consideração o papel importante que seus pais tiveram na luta coletiva e na organização partidária. Trazer esse elemento histórico é fundamental, nos ajudando a compreender que o Partido dos Trabalhadores tem um enraizamento consolidado dentro do município, configurando em lutas e disputas por praticamente quatro décadas. Nesse sentido, tanto Paulo Horta quanto Paulinho Imila conseguem simbolizar o passado e o presente do PT itapuranguense.


O enraizamento, possibilitando que o Partido tenha bases sólidas, tem reflexos na prática social, seja na força da militância ao longo das últimas décadas e, não menos importante, em acontecimentos políticos mais recentes. Exemplo importante está na atuação efetiva da militância no último pleito presidencial ocorrido em 2018, tornando-se mais perceptível no segundo turno. Mesmo diante de um cenário de criminalização da esquerda partidária, resultado de uma série de fatores, com destaque para a narrativa hegemônica dos grandes meios de comunicação, setores consideráveis do judiciário com suas ações seletivas, concomitantemente com o afloramento da estrutura cultural conservadora, o candidato do Partido dos Trabalhadores à presidência, Fernando Haddad, obteve uma votação expressiva no município, recebendo 7.224 votos, totalizando 47,20% dos votantes, ficando próximo do candidato vitorioso que obteve 8.082 votos, tendo 52,80% do eleitorado.


Somente a título de comparação, na eleição municipal Paulinho Imila e Paulo Horta receberam 8.462 votos, correspondendo a 51,58% do eleitorado votante. Por meio do comparativo supracitado torna-se perceptível que a margem entre os votos conquistados por Fernando Haddad, 7.224 votos, se comparado com Paulinho Imila, 8.462, é uma margem muito estreita, no qual Paulinho conquistou 1.238 votos a mais. Nesse sentido, muito mais do que um fenômeno político recente, a saber, reflexo do processo eleitoral de 2018, a conquista eleitoral do Partido dos Trabalhadores pode ser mais bem explicada pela atuação efetiva e enraizamento da militância partidária no município, quando, mesmo diante de um contexto de negação da esquerda, a militância se manteve ativa, praticamente não se alterando no curto espaço de tempo que separa a eleição presidencial da eleição municipal.


No entanto, se aqueles que procuram analisar a vitória de Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta, governo democrático, com a ascensão da extrema-direita e negação da política, merecem críticas, procurar pensá-la somente pela força da militância também me parece equivocado. Diante da crise de identidade e de representatividade dos partidos de esquerda no cenário atual, algumas pessoas têm procurado explicar as poucas, no entanto, significativas conquistas dos partidos de esquerda por meio do fenômeno da personalização. Essa tese, indubitavelmente, deve ser considerada, entretanto, entendê-la como vetor principal é desconsiderar o mencionado enraizamento histórico do Partido dos Trabalhadores no município.


Não se trata de negar a importância da trajetória de vida e de luta de Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta, mas a recusa está na compreensão de que um processo eleitoral é muito mais complexo, eivado de nuances, que demandam tempo para serem observadas em sua inteireza. De outro, não reconhecer que a trajetória pessoal, política e profissional, tem uma influência considerável, principalmente em municípios pequenos quando “todo mundo conhece todo mundo”, poderá configurar como análise de esguelha, relutando em reconhecer que existe uma crise profunda que distancia os partidos de esquerda de parte considerável da sociedade brasileira.


Nesse sentido, é válido ressaltar, Paulo Horta é o médico mais popular do município de Itapuranga, defensor inconteste da medicina humanizada, de medicamentos alternativos, assim como do Sistema Único de Saúde (SUS). Enquanto médico, sua trajetória profissional tem sido marcada, ao longo de quatro décadas, em torno desses ideais e, evidentemente, da excelência profissional. Além disso, Paulo possui enorme capacidade de inserção na sociedade, principalmente junto as camadas subalternas que necessitam mais frequentemente de atendimento médico.


Tendo uma vida marcada pelas dificuldades sociais, as camadas subalternas, historicamente, têm convivido com a opressão dos setores dominantes. Assim, procurar atendimento médico para os empobrecidos nunca é uma tomada de decisão simples. Além do problema da saúde, em muitas ocasiões, os menos favorecidos se deparam com o nítido recorte temporal característico do Brasil, colocando em lados opostos setores da classe média, que se considera pertencente ao grupo da elite dominante, embora esteja distante de ser, com os subalternos. Não é fortuito encontrar relatos de pessoas que passaram por verdadeiros processos de humilhação ao procurar atendimento médico, quando o vetor principal para a negligência está na condição social. Porém, essa exclusão social nunca esteve presente no horizonte de Paulo Horta, pelo contrário.


O mais importante médico de Itapuranga é reconhecido pelo atendimento humano, estabelecendo uma relação próxima e atenciosa com os pacientes, ouvindo pacientemente os relatos envolvendo as dores físicas e sociais dos necessitados. Essa relação humana faz de Paulo Horta um profissional respeitado e, mais importante, querido pelas camadas empobrecidas. Assim, o médico quando colocou o seu nome à disposição do Partido dos Trabalhadores, além da relação histórica com a sigla partidária, colocou à disposição o seu reconhecimento e aceitação diante dos setores mais empobrecidos da sociedade ituparanguense. Segmento esse que, indubitavelmente, é a maioria da população.


Outro fator importante envolvendo médico e sociedade está no campo simbólico. É muito provável que em qualquer pesquisa de opinião pública que tenha como intuito perceber os problemas inerentes a vida das pessoas, a pauta da saúde e do atendimento médico estará entre aquelas mais lembradas por uma parcela expressiva da sociedade. Nesse sentido, além da representatividade de Paulo Horta, ter um médico como candidato à vice-prefeito tem um valor simbólico considerável, principalmente porque consegue fomentar o desejo e a esperança nas pessoas de que os problemas mais persistentes da saúde serão resolvidos.


Ainda no campo da trajetória pessoal, é inegável que Paulinho Imila tem sua contribuição. Como mencionado no início desse ensaio, Paulinho tem uma relação histórica com o Partido dos Trabalhadores, seja no âmbito familiar ou mesmo pessoal. Por exemplo, quando colocou o seu nome à disposição, Paulinho já estava no segundo mandato como vereador, atuando efetivamente na fiscalização dos recursos públicos, apresentando projetos de relevância social, assim como se envolvendo na defesa dos direitos dos setores mais marginalizados da sociedade, com destaque para a sua atuação em defesa das escolas, dos profissionais, e da educação pública em toda região.


Na atuação política, Paulinho Imila está distante de representar o segmento da esquerda mais radical. Pautas de transformação econômica e social, com destaque para a crítica contumaz ao capitalismo e aos seus efeitos praticamente não estão presentes no seu discurso público. Tampouco as pautas “identitárias”, feminismo, movimento negro direitos da comunidade LGBTQ, se fazem presentes, pelo menos no primeiro plano se considerado os debates públicos que costuma produzir. No entanto, quando provocado, Paulinho sempre se mostrou defensor da garantia de direitos dos grupos minoritários. Mas, mesmo assim, seria equivocado entendê-lo como militante da esquerda combativa. O tom conciliador não significa que não seja de esquerda, pelo contrário, Paulinho é de esquerda, porém pertence aos quadros da esquerda que têm adotado o discurso de conciliação ao longo das últimas décadas e não necessariamente de enfrentamento.


Se, por um lado, o tom conciliador de Paulinho faz com que receba críticas do segmento mais transgressivo da esquerda itapuranguense, de outro, sua conduta política tem possibilitado sua inserção e aceitação entre setores mais conservadores da sociedade, quando essa aceitação se concentra, em grande medida, por não criticar de forma efetiva as pautas moralistas que moldam historicamente a sociedade brasileira. Esse posicionamento político possibilitou que setores mais conservadores se envolvessem efetivamente com a candidatura de Paulinho Imilia e Dr. Paulo Horta, sendo possível destacar importantes lideranças religiosas do município.


No entanto, é importante fazer uma ressalva, a saber, os setores do conservadorismo social que apoiaram o projeto apresentado por Paulinho Imila é muito menor do que aparentemente apresenta. O campo conservador tem sua parcela de importância, entretanto, não foi decisivo para a vitória eleitoral, isso porque outros candidatos conseguiram mobilizar mais efetivamente a grande parcela do eleitorado “conservador”. Além disso, é válido ressaltar que, nesse momento, existe uma divisão significativa dentro do setor mais conservador da sociedade brasileira, não sendo diferente no município de Itapuranga.


De um lado é possível encontrar os conservadores moralistas, defensores da moral e dos costumes tradicionais, pautando suas vidas na perspectiva da religião cristã, e muito reticentes a qualquer tipo de transformação social, principalmente àquelas que apontam para a ocupação de direitos e de espaço por parte das “minorias”. Porém esse setor conservador, que caminhou com Paulinho Imila, não defende a ruptura constitucional, se posiciona contrário aos projetos autoritários, entende a importância da educação pública na vida das pessoas, compreendendo que o estado, em detrimento da inciativa privada, tem um papel importante na produção de políticas públicas, entre outros projetos que visam garantir o bem estar social. Esse segmento religioso e conservador, distante de ser reacionário, se envolveu, defendeu e apoiou o projeto apresentado por Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta.


Em contrapartida, a maioria do eleitorado conservador, flertando com os discursos autoritários, e com o projeto neofascista presente nos mais diferentes rincões brasileiros, esteve muito distante da campanha de Paulinho Imila, não medindo esforços para construir uma narrativa de criminalização e ódio ao Partido dos Trabalhadores no município, tendo encontrando nos candidatos defensores do mercado, da meritocracia e do empreendedorismo, pelo menos a nível local, uma possibilidade efetiva de derrotar a sigla partidária de esquerda nas urnas.


Diante dessa divisão no campo conservador, com maior preponderância para o campo reacionário, em detrimento dos conservadores moderados, é que considero equivocado atribuir a esse segmento um peso decisivo na conquista eleitoral do Partido dos Trabalhadores em Itapuranga. O conservadorismo é representado por diferentes atores e atrizes sociais, e a maioria não caminhou ao lado do Partido dos Trabalhadores na eleição municipal. No entanto, o fato de o partido ter recebido um apoio desse setor conservador e moderado, diante de um cenário nacional, no qual os neopentecostais estão cada vez mais distantes dos partidos de esquerda, não deixa de ser um fenômeno que mereça toda a atenção. Embora, de antemão, apresento a hipótese que a aproximação não é difícil de ser explicada.


Como mencionado, a trajetória política de Paulinho Imila, até o presente momento, não tem sido marcada pelo enfrentamento sistemático a pauta moralista e conservador. Além disso, o segmento dos conservadores moderados tem uma impressão significativa de que o principal problema do país está vinculado as práticas corruptivas do setor público, com destaque para o partidário. Essa percepção social, aparentemente, vai ao encontro do histórico de Paulinho enquanto liderança política, quando, em inúmeras oportunidades, procurou evidenciar que a corrupção do sistema político é um dos grandes problemas do país, e que a sua trajetória está marcada pela ética, honestidade e transparência.


Diante de uma sociedade que nos últimos anos foi embevecida pelos grandes meios de comunicação, apresentando cotidianamente a pauta da corrupção como a responsável pelas mazelas históricas e sociais do país, alçando juízes e promotores a “verdadeiros” heróis nacionais, ter um candidato sem nenhum processo judicial, tendo na pauta anticorrupção uma bandeira importante do seu discurso público, aproximou o candidato dos Partido dos Trabalhadores do setor conservador moderado no município de Itapuranga.


Ainda no campo da personalização política, não pode passar despercebido a receptividade das pessoas para com Paulinho Imila. Se Paulo Horta é reconhecido como o médico dos pobres, na vida pessoal e política, Paulinho é conhecido por sua simplicidade e humildade. Não fazendo questão de esconder sua identidade caipira/camponesa, o atual prefeito é indubitavelmente o representante do homem simples do meio rural, trabalhador, honesto, construído o seu saber não por meio dos centros universitários, mas por meio da experiência adquirida no cotidiano. Diante de um município interiorano, quando as raízes caipiras estão entrelaçadas ao urbano, tornando-se impossível diferenciá-las, a trajetória caipira/camponesa de Paulinho possui um considerável valor, isso porque representa o sentimento de pertencimento, de identidade e identificação junto a maioria das pessoas. Se comparado aos outros candidatos, Paulinho Imila é o que melhor representa a população itapuranguense no âmbito sociocultural, conseguindo se aproximar direta e indiretamente das pessoas.


Como é perceptível, existem muitos fatores explicativos acerca da vitória eleitoral de Paulinho Imila e Paulo Horta, do Partido dos Trabalhadores, no município de Itapuranga. A partir disso, somente mais um esforço de compreensão. É muito comum acompanhar análises de pessoas que vivenciaram o processo eleitoral “mais de longe” atribuírem uma estratégia política muito adequada ao contexto e ao cenário local. Geralmente essas leituras apontam para dois momentos considerados essenciais na campanha, a saber, a construção da pauta moralista e por último a apresentação de uma pauta de transformação social.


A partir da análise mais distante, torna-se praticamente impossível compreender às contradições internas que estiveram muito presentes na campanha eleitoral. Essas contradições explicam de forma significativa o modus operandi da esquerda partidária no país, especialmente o Partido dos Trabalhadores, transitando entre um segmento mais conciliador e outro mais combativo. É válido destacar, as contradições não são somente importantes, são necessárias. E foram justamente essas contradições, lutas e disputas, que caracterizaram a campanha do Partido dos Trabalhadores no município.


Possivelmente, o exemplo mais significativo envolvendo lutas e disputas esteja no fato de a campanha iniciar com a pauta moralista, representada por meio da ideia de “acabar com a mamata”, “fechar a torneira da corrupção”, e terminar com a leitura representativa de “governo da esperança”. Entre o “acabar com a mamata” e “governo da esperança”, o processo político vivenciou inúmeras divergências e resistências, tanto internas quanto externas.


No primeiro momento, o tom moralista esteve muito presente na plataforma de governo apresentada, podendo ser mais bem representada por meio dos primeiros vídeos da campanha, quando, depois de apresentar algumas propostas, Paulinho Imila sempre procurava encerrar o vídeo com um jargão muito presente nos círculos mais reacionários da sociedade, representado mais diretamente por essa ideia: “nós vamos acabar com a mamata”. A pauta moralista, em primeiro plano, é mais um dos fatores que possibilitaram a aproximação dos conservadores moderados do projeto político dos Partidos dos Trabalhadores. Porém, em contrapartida, o moralismo da campanha deixou inquieto alguns segmentos importantes da esquerda municipal, sendo possível destacar o descontentamento da militância histórica, da juventude progressista e da comunidade escolar/acadêmica.


Os militantes, figuras históricas do Partidos dos Trabalhadores na região desde as primeiras reuniões partidárias no início da década de 1980, moldados por meio da luta pela democracia, se sentiram silenciados e não representados na pauta e na simbologia apresentada desde o primeiro momento, sendo possível destacar o desaparecimento da cor vermelha da campanha. Importante ressaltar, o vermelho não é somente a cor do Partido dos Trabalhadores, representa a luta e a resistência da classe trabalhadora, e, não menos importante, o símbolo da transformação social. No entanto, o vermelho praticamente não esteve presente, e o apagamento da cor do partido e de tudo que o vermelho representa propiciou uma crise de identidade entre os/as militantes históricos do partido e a “nova geração”. Mas, além da cor, não resta dúvida que o descontentamento maior esteve na pauta apresentada, dizendo muito pouco das bandeiras históricas defendidas pelo partido.


O outro segmento descontente encontra ancoradouro na juventude progressista e na comunidade acadêmica/escolar, tendo sentido falta de uma perspectiva de transformação social nas inserções públicas de Paulinho Imila, quando políticas públicas sobre moradia, soberania alimentar, igualdade social, igualdade de direitos, de gênero, educação coletiva e transformadora, entre outros, passava despercebido no debate público proposto por Paulinho, fosse nas propagandas eleitorais gratuitas, nos vídeos de campanha, ou mesmo nas entrevistas concedidas as emissoras de rádio. Nas inserções, o terreno mais confortável para o atual prefeito estava centrado na ideia da moralidade política, e em sentido menor o das políticas de transformação social.


As divergências em torno da campanha, da pauta apresentada, estiveram presentes o tempo todo, no entanto, ficaram mais perceptíveis nos últimos 20 dias do processo eleitoral. Os descontentes, militância, juventude e comunidade escolar/acadêmica, em detrimento de se afastarem do processo político, resolveram se apropriar, também, da luta política, compreendendo que o projeto do Partido dos Trabalhadores, apresentado por Paulinho Imila, também lhes pertenciam de direito. Nesse sentido, houve o entendimento de que sonhos, desejos, utopia de transformação, luta histórica, luta por direitos, sonhada ao longo do processo histórico, mais precisamente ao longo das últimas quatro décadas, deveriam, pelo menos, estar presentes na campanha. Como aparentemente a pauta de transformação receberia atenção menor, principalmente se comparada com a pauta moralista, os descontentes resolveram assumir um protagonismo de fato, ocupando um espaço que possivelmente não seria oferecido.


É possível compreender o modus operandi dessa resistência por meio do deslocamento da militância histórica, que passou a circular mais efetivamente pelas ruas da cidade, conversando com pessoas, apresentando uma perspectiva de governo que tinha o intuito de cuidar da coletividade, oferecendo proteção e bem estar social. O esforço da militância foi dificultado pelo cenário pandêmico, exigindo os devidos cuidados para levar uma mensagem de esperança para todos os cantos do município, porém sem colocar a vida de ninguém em risco.


Fazer circular intensamente as ideias de transformação social por todos os cantos somente foi possível porque os/as camponeses/as tiveram um papel preponderante, apresentando projetos e propostas para o homem e a mulher do campo, para a agricultura familiar de modo mais geral. Propostas que são reivindicações, desejos e sonhos dos próprios camponeses. Procurando circular os sonhos de uma vida confortável no meio rural, muitos camponeses gravaram vídeos manifestando seu apoio e, ao mesmo tempo, pedindo votos para Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta. A simbologia, a consciência coletiva, e a representatividade da atuação efetiva dos camponeses itapuranguenses, apresentando suas demandas, encontrando no Partido dos Trabalhadores a possibilidade de efetivá-las teve um peso considerável na campanha eleitoral.


Por último, mas não menos importante, é válido ressaltar o envolvimento coletivo da comunidade escolar/acadêmica, apresentando um projeto de educação pública, de transformação social, que embora não estivesse presente nas inserções públicas da plataforma de governo do Partido dos Trabalhadores, percebia uma brecha, uma possibilidade de efetivá-la na construção do projeto representado em Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta. Por exemplo, é inegável que as redes sociais exercem um papel cada vez mais importante na vida das pessoas. Diante de um cenário pandêmico, quanto o contato direto com a população torna-se mais difícil e não recomendável, o papel das redes sociais tem uma relevância ainda maior.


Levando em consideração esse fenômeno das redes sociais, e o contexto da pandemia do coronavírus, nenhuma campanha se valeu melhor das redes do que a campanha de Paulinho Imila e Paulo Horta, ou melhor dizendo, ninguém conseguiu se valer melhor do que os descontentes da comunidade escolar/acadêmica. O envolvimento acadêmico/universitário com o Partido dos Trabalhadores não é nenhuma novidade, tampouco foi um fenômeno exclusivo do município de Itapuranga, isso porque o próprio processo de construção do Partido dos Trabalhadores se confunde com a história intelectual brasileira. O PT tem no seio de sua formação a luta sindical, os movimentos sociais, urbanos e rurais, e o engajamento de uma parcela considerável da intelectualidade nacional, estando muito presente na campanha do Partido dos Trabalhadores em Itapuranga. Uma análise digna de ser considerada não poderá negligenciar esse fato.


Nesse sentido, inúmeros foram os vídeos de professores e professoras que manifestaram apoio à candidatura de Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta, no qual, além do apoio, já deixavam uma mensagem de esperança e defesa persistente em prol de uma educação pública e emancipadora. Esse fato é de suma importância, isso porque nenhuma campanha política no município, ao longo do processo histórico, recebera tanto apoio de professores e professoras quanto a campanha do Partido dos Trabalhadores. Provavelmente, o envolvimento não se constituiu somente em decorrência da campanha em si, mas teve como vetor a relação umbilical e histórica do PT com parcela considerável da intelectualidade brasileira. Essa constatação, a meu ver, significa que se Paulinho Imila não fosse candidato pelo Partido dos Trabalhadores, o envolvimento de professores e professoras seria muito menor.


O envolvimento da comunidade escolar/acadêmica não esteve restrito aos inúmeros vídeos, mas se fez presente no manifesto que reuniu, praticamente, 200 assinaturas de professores e professoras em apoio à candidatura de Paulinho Imila e Paulo Horta. O manifesto tem um peso simbólico, representativo, transmitindo a mensagem de que os professores e as professoras estavam com o Partido dos Trabalhadores. Esse fator simbólico trouxe egressos, estudantes universitários e familiares para dentro da campanha, tendo peso considerável na afirmação e consolidação de Paulinho Imila nos círculos escolares e acadêmicos. Por meio do manifesto, duas importantes demandas sociais se encontraram, a saber, a demanda da saúde pública tendo Paulo Horta como expoente, e a educação pública representada pelo manifesto dos professores e professoras.


Nos últimos anos, o processo eleitoral brasileiro tem se caracterizado por campanhas que, em detrimento de apresentar propostas, procuram mobilizar o ressentimento e o medo das pessoas. O ressentimento como um valor cultural teve um peso considerável na eleição presidencial de 2018, e esteve muito presente no processo eleitoral de 2020. No município de Itapuranga, o desejo de suscitar o medo nas pessoas teve um peso considerável. Não faltaram vídeos procurando associar o Partido dos Trabalhadores ao demônio, ao fechamento de igrejas cristãs, e tantas outras atrocidades que somente uma sociedade embrutecida tem condições de produzir.


No entanto, diferentemente de 2018, o falso moralismo não surtiu o efeito desejado, e o fator preponderante não está somente no amadurecimento social, mas encontra sustentação na capacidade didática de professores/as, por meio de vídeos, conversas, de textos, demonstrando que a narrativa apresentada, além de preconceituosa, centrava-se em mentiras e mais mentiras. Não faltaram vídeos difamatórios, mas todos, sem exceção, foram didaticamente descontruídos pelo envolvimento de professores e professoras.


Entre os descontentes, uma das críticas mais presentes estava na dificuldade da campanha de conquistar, o que setores da esquerda mais combativa entende, por mentes e corações. De fato, o teor moralista do início da campanha tinha muita dificuldade para sensibilizar e mobilizar sentimentos e emoções das camadas subalternas. Isso porque, quem não tem moradia, quem não tem alimentação suficiente, espaços de cultura, de lazer, atendimento médico adequado às necessidades, não está preocupado em “acabar com a mamata”, ou fechar “a torneira da corrupção”, pelo contrário, a preocupação está centrada na busca pela moradia, pela alimentação, saúde, educação de qualidade e transformadora. Desde o primeiro momento a campanha demonstrou dificuldade para fazer os empobrecidos e os jovens sonharem. Faltava a verve da transformação social.


Ao contrário do que comumente se imagina, a pauta da transformação social, representada no “governo da esperança”, não foi uma construção sólida e democrática, ao contrário, a ideia de governo da esperança dificilmente será compreendida caso não seja analisado como um processo de resistência da militância histórica e da comunidade escolar/acadêmica. É muito possível que a pauta da transformação social esteve mais bem evidenciada por meios das lives, conduzidas por professores universitários, que conseguiram, na medida do possível, apresentar um projeto, construído por muitas mãos, que tocava numa questão elementar, a saber, a possibilidade de transformação social e da garantia de direitos, alcançando um conjunto social que a pauta moralista dificilmente alcançaria.


Temas como erradicação da fome, garantia da soberania alimentar, valorização da agricultura familiar e camponesa, redução da pobreza, igualdade de gênero, diversidade esportiva, respeito à orientação sexual, fomento da cultura, e tantas outras temáticas começaram a aparecer mais efetivamente nas lives. O público alcançado pelas lives, sensibilizado com a possibilidade de transformação social caso Paulinho Imila e Paulo Horta saíssem vitoriosos do pleito eleitoral, começou a fazer circular as mensagens de esperança com outras pessoas, fator que explica, consideravelmente, o crescimento da campanha do Partido dos Trabalhadores nos últimos vinte dias do pleito eleitoral. A partir desse momento, o encantamento coletivo tornou-se mais perceptível.


Se a pauta moralista, no início, conseguiu trazer um público mais conservador para dentro da campanha, o descontentamento da militância e de outros setores que, em detrimento do afastamento procurou assumir um protagonismo maior, conseguiu conquistar mentes e corações dos empobrecidos, dos que sonham por políticas públicas, enfim, daqueles que acreditam que o município de Itapuranga poderá ser um espaço acolhedor, tendo condições de oferecer qualidade de vida para todos/as.


A campanha, por meio dos motivos explicitados, não caminhou em uníssono, esteve o tempo todo caracterizada pelas divergências, pelas contradições, enfrentamentos e resistências internas e externas. Não de modo intencional, mas a campanha conseguiu reunir uma multiplicidade de ideias, de sonhos, desejos, de diferentes projetos que foram apresentados a população itapuranguense. Essa multiplicidade de ideias, de divergências e resistências, poderá ser mais bem compreendida na medida em que se analisa toda a metamorfose ocorrida. Por exemplo, um projeto político que tinha como vetor o “fim da mamata”, chegou na reta final como “governo da esperança”. Tamanha metamorfose não poderá ser compreendida como mera coincidência.


Por último, por meio desse longo ensaio, procurei apresentar a tese de que não existiu um fator preponderante para Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta, candidatos do Partido dos Trabalhadores, saíssem vitoriosos no processo eleitoral. Os fatores são muitos, desde o enraizamento do Partido dos Trabalhadores no município, passando pela pauta moralista, relevância social, profissional e humana de Paulo Horta, o trabalho importante de Paulinho Imila enquanto vereador, sua personalidade humana e humilde, conseguindo representar como ninguém o “ser itapuranguense”, até desembocar nas divergências internas e externas, resultando no descontentamento e enfrentamento da militância histórica, da juventude progressista e da comunidade escolar/acadêmica.


Nesse sentido, é importante mencionar que a campanha de Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta não surge em 2020, isso porque a campanha tem sido construída ao longo dos últimos quarenta anos. Diante de um projeto longevo, inúmeros foram os atores e atrizes sociais que idealizaram projetos para o município de Itapuranga. De forma considerável, todos os sonhos, todos os projetos, dos mais conservadores aos mais revolucionários, do PT mais conciliador ao mais combativo, estiveram presentes na campanha de Paulinho Imila e Dr. Paulo Horta. Foi justamente essa trajetória marcada por projetos distintos, dominada por embates e contradições, que possibilitou que o Partido dos Trabalhadores conquistasse a vitória no pleito eleitoral do dia 15 de novembro de 2020.

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