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Polarização e luta de classes no Brasil


Ronilton Delcides Rodrigues Junior[1]


A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar possíveis desvios de verba do Governo Federal no combate ao novo Coronavírus, que tem ocorrido no Brasil, tem sido palco de divergências entre os senadores. Entre essa cizânia, está a opinião pública que diariamente tende a mudar. A CPI tem conquistado o olhar até mesmo dos brasileiros menos preocupados com política, e é notório que o brasileiro tem se preocupado não somente com as possíveis irregularidades, mas também com os rumos que a política tem tomado diante ao enfrentamento da pior pandemia que o Brasil já experimentou. Essa polarização não é recente, tem sido construída na última década com a finalidade de dividir a população brasileira. Como se já não fosse suficiente essa divisão entre os brasileiros, há também o quantitativo exacerbado de mortos para uma doença que já levou mais de 540 mil brasileiros à óbito. E de que forma isso influencia o cenário político totalmente polarizado, que atualmente tem se mostrado cada dia mais perigoso?


A política no Brasil tem se mostrado um campo fértil para discussões mais intensas desde meados de 2013, quando houve em várias cidades do país um dos maiores atos de manifestação política desde o movimento dos Caras Pintadas, no qual os manifestantes mostraram insatisfação com o preço do transporte público, com os valores gastos para a realização da Copa do Mundo, com algumas figuras políticas e até melhorias na estrutura socioeconômica do país. Diante das várias insatisfações percebe-se neste início traumático que até mesmo o Congresso Nacional foi ameaçado de ser invadido pelos manifestantes, uma adesão maior da população em geral ao poder democrático do cidadão de se manifestar. Não parou por aí essa avalanche de manifestações.


Em 2014 foi a vez de manifestações contra o governo Dilma Rousseff, foi onde o fio da democracia se esticou quase ao ponto de ruptura. Tal fato pôde ser observado nas urnas, uma eleição jamais vista, uma rivalidade pacífica, mas acalorada. Neste ponto da política brasileira ficou claro à insatisfação da classe elitizada com o governo dedicado as causas trabalhistas. Não obstante, foi possível observar também uma evolução política muito grande, foi possível ver no Brasil uma enorme participação da classe trabalhadora neste debate. Em geral, ficou evidente que tanto a classe trabalhadora quanto os grupos sociais de ideologia em defesa das minorias estavam presentes nos assuntos políticos do Brasil, buscando defender sua identidade e seu lugar na sociedade. Por meio destes e outros momentos os grupos com maior tendência à vulnerabilidade socioeconômica puderam mostrar, ao Brasil, sua capacidade intelectual promovida por iniciativas educacionais do Governo Federal no período em que o PT esteve à frente do Palácio do Planalto. Iniciativas como a insistência à inclusão digital, emancipação social e universitária, fez com que não somente as classes mais elitizadas, mas também a classe trabalhadora reconhecesse seu papel de direito na democracia, e isso fez com que se criasse uma politização jamais experimentada no Brasil.


É notável que a classe econômica elitizada estava insatisfeita com o rumo que a sociedade estava tomando, o equilíbrio entre as classes já não era mais utópico, e sim uma possibilidade. Era possível imaginar um Brasil promissor, inclusivo, equilibrado e justo, mas a economia das grandes corporações começou a ficar estagnada, já que tanto a inflação quanto o dólar só tinham perspectiva de queda. Isso preocupou os grandes empresários que lucravam justamente pelo preço alto do dólar. Não é o caso deste texto adentrar nos assuntos teóricos e especulativos sobre economia, e sim aos fatos que permitiram que essa divisão política evidenciada hoje fosse uma realidade perigosa.


A ascensão da classe trabalhadora em um país de origem colonial como o Brasil, com um histórico de opressão das massas, é vista pela burguesia como condição incabível. Essa opressão pode ser evidenciada através do segregacionismo urbano, a má distribuição de renda, os altos impostos sobre assalariados, as grandes crises econômicas e também através do analfabetismo. Como se não bastasse a instabilidade econômica e social da base da sociedade, é muito claro na obra de Emília Viotti da Costa - Da Monarquia à República - momentos decisivos, que lá no século XIX já não havia interesse da classe dominante em emancipar o cidadão em nenhum momento, não havia o mínimo interesse em transformar as classes subalternas enquanto membros importantes, ativamente falando, da sociedade.


Este plano de manutenção do sistema é evidenciado mais à frente na obra de José Murilo de Carvalho - Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. Para o autor, a estrutura na transição do Brasil Império para Brasil República foi tão bem preservada que em nenhum momento a base da sociedade torna como sua os debates políticos. Na obra citada de José Murilo de Carvalho, é muito óbvio que o brasileiro não tinha consciência da importância das discussões políticas. É de extrema importância relembrar de alguns fatos do início do século XX, mais precisamente no ano de 1922 com as revoltas tenentistas, até 1930 com a tomada do poder por Getúlio Vargas, porque a partir dessa leitura entendemos que nestes momentos se inicia a participação mais efetiva da massa em alguns assuntos políticos. No entanto, mais uma vez esse conjunto social estava influenciado pela elite, ou seja, à elite está sempre por trás das decisões políticas importantes do Brasil.


Porém, quando se inicia a hipótese de trabalhar no imaginário a ideia de uma evolução política e intelectual nas massas, o Brasil sofre novamente um fatal golpe, desferido dessa vez pela onda imaginária e fantasiosa de uma classe perturbada pelo passado, de que se instaurava no Brasil uma ideologia comunista, isso em 1964 com o Golpe Militar. Neste ponto, o povo perdia mais uma vez a oportunidade de se inteirar totalmente nos assuntos políticos do país. Mesmo em 1988 com o fim deste período macabro e surripiador de liberdade, o brasileiro levaria décadas para superar o robusto plano de opressão da classe trabalhadora, que até os dias de hoje, sonha com uma sociedade justa e promissora.


Por essa breve passagem pela história política do Brasil, é possível observar que em 2013 a sociedade tinha muito o que vibrar nas manifestações, pois foi a partir de muita luta de classe que foi possível chegar até ali. O problema dessa vibração toda é que isso incomodou os defensores do tradicionalismo, da opressão e dos lucros. Incômodo tamanho que fez com que surgisse um delinquente em 2017 que nunca fez nada pelo Brasil, mas que amparava no colo o ódio velado dessa classe de costumes feudais. A elite agora tinha seu representante oficial, Jair Messias Bolsonaro, um péssimo militar de carreira, aposentado por tentar explodir um quartel, um péssimo Deputado, que nada fez para o seu estado e uma pessoa de caráter questionável, pois sua ideologia pessoal era muito semelhante ao fascismo.


Nesse sentido, parafraseamos Marilena Chauí, principalmente quando afirma que o problema do Brasil é a classe média. Cita-se aqui Marilena Chauí justamente pelo fato de que foi essa mesma classe média, ajudada pelos governos trabalhistas, que elegeu em 2018 para presidente Bolsonaro. A partir deste momento, à ideologia neoliberal ganhou um novo termo, o bolsonarismo, e englobou tudo aquilo que não é eficiente para um país subdesenvolvido e massacrado por más políticas públicas. Há quem diga que o governo do Partido dos Trabalhadores foi ruim para o Brasil, mas como repudiar um governo que elevou o Brasil para a 6º maior potência mundial, expandiu a educação básica, garantiu o acesso aos economicamente vulneráveis, tais como acesso à educação superior e tantos outros projetos de inclusão social que ainda vigoram? Seria incoerente odiar um governo com esse modelo de evolução social.


Pois bem, como visto até aqui, a divisão entre as classes não se dá nada menos pelo fato de que a sociedade evoluiu, o debate chegou aos quatro cantos do país. Hoje não é mais possível esconder a verdade. Há aqueles que ainda preferem acreditar em falácias do que observar os fatos que são evidentes aos olhos, e são justamente esses que permanecem vendados com as inverdades e inconsistências vindas da classe dominante para impedir o avanço da classe trabalhadora. A polarização política no Brasil se tornou perigosa pelo fato de que há ódio sendo alimentado por ambos os lados. Discutir política no Brasil se tornou algo inviável em alguns lugares e momentos. Há desavenças entre membros da própria família justamente por causa dessa polarização, por este motivo deve se ter muita cautela nessa comissão em especial, ela representa não somente suas atribuições investigativas, como também a divisão nas ruas entre o povo brasileiro.


As pessoas assistem atentamente ao curso da CPI, para que possam ter no que se basear nos debates e ela não pode ter outro desfecho senão a verdade absoluta e indubitável. O compromisso maior desta Comissão Parlamentar de Inquérito para com o povo brasileiro não deve ser o de dividir opiniões mais do que já está dividida, e sim unir a população em um bem maior, o de construir uma democracia sólida e justa, e não há a mínima possibilidade de se evoluir como nação divergindo neste objetivo. Não é segredo que o maior empecilho que impede essa união é o neoliberalismo sem freio implementado descaradamente pelo governo de Bolsonaro, isso que nem foi citado o ideário de se privatizar todo o patrimônio material do Estado. A discussão aqui não é sobre o que é direito ou dever do Estado, e sim, o que é melhor para o povo brasileiro. Mesmo neste fio esticado da Democracia, o povo é um só dos dois lados, um povo calejado e sofrido, povo que já vem carregando essa elite medíocre nas costas desde o início. Por fim, para que essa união seja possível, é necessário encurtar ao máximo este fio que há tempos vem sendo desenrolado e esticado.


Referências

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. 4ª Edição. São Paulo: Companhia das letras, 1989.


COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 7ª Edição. São Paulo: UNESP, 1999.



Fontes Consultadas

ROSSI, Marina; ALESSI, Gil; BENITES; Afonso; MARTÍN, María. Maior manifestação no Brasil joga Dilma contra as cordas. El País. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/13/politica/1457906776_440577.html. (Acessado em 15 de julho de 2021).


COSTA, Fabiano; PASSARINHO, Nathalia. Manifestantes deixam entrada do Congresso após 6 horas de protesto. G1, em Brasília. Disponível em: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/06/manifestantes-deixam-entrada-do-congresso-apos-6-horas-de-protesto.html (Acessado em 15 de julho de 2021).


G1. Resultado da apuração do 2º turno. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/ (Acessado em 15 de julho de 2021).



[1] Discente do Curso de História da Universidade Estadual de Goiás – Unidade Universitária de Goianésia.

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