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Por que eu fiz história



Em uma de minhas raras visitas no feed de publicações do Facebook, me deparei com uma ‘lembrança’ marcada pela rede social. Nela, a plataforma lhe concede a opção de compartilhar a ‘lembrança’ que se havia publicado outrora. Quando concentrei meu olhar no título do pequeno texto publicado em 2015, imediatamente me vi em um estado contemplativo. Me senti algo que induzido por uma curiosidade latente a reler o que tinha escrito naquele ano. Assim que comecei a reler o texto, logo fui percebendo que se tratava de um relato pessoal sobre minha opção pelo curso de História, quando estava no terceiro ano do Ensino Médio. Mais adiante, notei que o texto desembocava por algo mais profundo, algo que em sua essência desnudava o espírito de um jovem que ansiava por desconstruir paradigmas e desmistificar estereótipos.

Findada a leitura, notei que o texto estava incompleto, pois havia dividido o texto em duas partes, sendo que somente a primeira parte tinha sido, de fato, redigida. Tentei energicamente encontrar as razões para não ter finalizado o texto e escrever a segunda parte. Entretanto, a memória fora meu algoz em tal empreendimento. Vendo que a incompletude do texto era algo quase que inaceitável (inconformidade que se justifica pela lida e experiência acadêmica de sempre concluir o pensamento materializado em letras e palavras), me vi quase que em uma missão pessoal ter que dar cabo do que obviamente havia começado. Diante disso, ao invés de compartilhar no Facebook o texto pela metade, decidi transcrever a primeira parte como escrita à época, sem correções e alterações, como que para manter a originalidade e a essência da narrativa. Minha intenção e objetivo, portanto, é tão somente concluir minhas ideias e propiciar um campo de reflexões pertinentes aos fatores que me induziram a realizar, não somente o curso de História, mas, também, a ingressar na carreira docente. Espero que o texto possa esclarecer todas essas questões e ainda servir de um incentivo àqueles que pretendem se embrenhar pelos não fáceis, porém, extremamente gratificantes, caminhos da educação.


Diante das linhas introdutórias acima, expor-se-á em sua inteireza literária o texto mencionado. Logo em seguida, me colocarei mediante ao esforço de tentar finalizar o texto na redação da segunda parte.


Sem mais delongas, segue o texto.


“Parte I

Este texto tem por objetivo, apontar as razões e motivos que me fizeram optar pela História no momento do vestibular, levando em consideração, obviamente, todo o processo que posteriormente ocorreu à aprovação para o curso na Universidade Estadual de Goiás – Campus Itapuranga. Revelarei, acima de tudo, e num âmbito mais geral, os primeiros contatos com a Universidade, as impressões, as surpresas, os encontros, desencontros, os planos, as frustrações etc. Meu ponto de análise parte do princípio de uma descrição pessoal e narrativa de minha experiência no campo acadêmico e, principalmente, no contato com a História em si. Por essa razão, e pela extensão do mesmo, dividirei este texto em duas partes para evitar uma leitura desgastante e densa ao limite.

Sei que a vida, um imenso “oceano” de dúvidas, incertezas, acertos e erros, é parte fundamental de nossa existência, comprovada mediante escolhas que realizamos ao longo de nossa vivência e experiência adquirida ao longo do cotidiano. Tais escolhas podem ser acertados ou não. Mas o fato é que, você é aquilo que escolhe ser. Nenhum sistema, nenhuma regra lhe impõem restrições pessoais, interpessoais ou mesmo intrapessoais. É tudo feito e elaborado por escolhas que podem ou não serem boas ou más, dependendo da situação.

Na vida escolar, assim como em outros aspectos, chega um momento em que você deve optar por um lado, uma vertente, um viés (utilizando termos históricos). No meu caso especificamente, optei pela História. Muitos me perguntaram – e ainda perguntam – por que fazer História? Qual a razão? Não tinha outro curso melhor? Medicina? Direito? Engenharia?

Bom isso é fato. Mas vou explicar minunciosamente, os motivos primordiais da minha escolha.

Como a maioria dos brasileiros, fui aluno e continuo-o sendo, de escola pública. Sabe-se as dificuldades que, de um modo geral, a educação pública passa historicamente falando. Temos um sistema educacional falho, que não valoriza seus sujeitos: professores, alunos e gestores.

Mas nada disso impede, mediante esforço e dedicação, que a escola pública ofereça um ensino de qualidade. Ao contrário, é um fato que depende do esforço mútuo, do corpo escolar como um todo. Particularmente, sempre fui bom aluno; me dediquei, e ainda o faço, para poder me dar a chance de crescer como profissional, intelectual, mas principalmente, como pessoa. Minhas notas, sem qualquer vanglória, estiveram entre as melhores da classe. Recebia elogios de meus professores – especialmente os de História -; eram me dados conselhos para continuar me dedicando afundo nos estudos e que, minha escolha seria frutífera.

Já no ensino fundamental, observei que “gostava” da disciplina de História. Não querendo desmerecer as demais, que são importantes logicamente, mas desde então observava que tinha uma “quedinha” pela disciplina. E isso continuou no ensino médio, com notas sempre expressivas e trabalhos e avaliações bem elaboradas. Na verdade, o que me encantava na disciplina de História e, consequentemente, me fazia gostar da mesma, era a dedicação e o esforço de meus professores em lecionar a matéria.

Como não lembrar da professora Lúcia Matias, mulher íntegra e excelente profissional da área. Lembro-me que suas aulas eram sempre proveitosas, talvez porque sempre primava pela discussão e a leitura assídua e crítica do conteúdo que seria abordado. Suas aulas, não raro, me cativavam a atenção, sempre puxando para o lado da reflexão crítica da realidade, da filosofia em si. Aprendi muito, e ainda aprendo, com a professora Lúcia Matias.

Não posso deixar de considerar a professora Ester Ferreira, mãe de Cristiane Rezende, que também fora minha professora no colegial e que me ensinou muito. Me lembro como se fosse ontem das aulas de História da professora Ester. A rigidez e a disciplina com que levava suas aulas demonstrava a metodologia responsável e o caráter com que tratava a licenciatura de História. Muitos não gostavam, mas suas aulas sempre eram de bom proveito. Sua seriedade em lidar com o conhecimento histórico me motivou a buscar o conhecimento por conta própria, a ler de modo crítico, e a estudar com maior esforço e dedicação. Lembro-me que, sempre que possível, realizava mesas de debates em sala, círculos de discussão sobre o conteúdo a ser estudado. Isso era, a meu ver, um máximo.

Devo também, e com merecidas honrarias, fazer valer as contribuições da professora Maria Lina de Paula Neta, que fora minha professora no terceiro ano do Colégio. Me surpreendi com a perspicácia e a autenticidade das abordagens e análises que a professora Paula levava para sala de aula nas aulas de História. Disciplinada, exigia leitura integral dos textos a serem discutidos; pedia aos alunos que expusessem seus pontos de vista sobre o conteúdo, o entendimento e assimilação dos mesmos sobre determinado assunto. Sua “acidez” crítica, sua sapiência em relação ao estudo histórico me surpreendiam a cada aula dada.

Três sujeitos. Três mulheres. Três professoras. Três historiadoras. Não nego a influência destas na minha escolha pela História, sem desmerecer os demais logicamente. Se hoje estou no último ano da faculdade de História, devo enormes parcelas a estas mulheres que ainda me inspiram a continuar na luta.

Continua...”


Como se observa, o texto não fora concluído. Devo ter me esquecido, por circunstâncias diversas e que no presente momento não consigo me lembrar, de ter finalizado minhas ideias. Mesmo assim, gostaria de ressaltar, além do brilhante trabalho e importante influência de minhas professoras de História do ensino básico, que minha escolarização se deve a todo um conjunto de pessoas que, de uma forma ou de outra, contribuíram para minha formação, especialmente aos professores, gestores, secretárias, a “tia” da limpeza e do lanche, enfim, ao Colégio Estadual Dom Abel e ao Olavo Costa Campos. Hoje, vendo a situação da educação brasileira, sendo atacada contundentemente, onde professores não são devidamente reconhecidos e valorizados – além dos duros ataques e violências por eles sofrida –, onde os investimentos em pesquisas, em infraestrutura das escolas, em bolsas de estudo, em salários dos profissionais da educação, etc., vem sendo reduzido ou mesmo erradicado de uma maneira violenta e autoritária. Me senti muito triste quando soube que a Escola Olavo Costa Campos seria fechada no redesenho que o governo estadual implementou neste ano. Ali, vivenciei os momentos mais felizes de minha vida escolar.


Diante dessa narrativa, continuo a pinçar a importância da minha experiência na educação básica, onde, mesmo vivenciado toda sorte de desafios e percalços pelos quais a educação e a escola pública perpassam, consegui, mediante muito esforço e dedicação, almejar melhorias significativas em minha vida profissional e pessoal. Quando terminei o ensino médio, prestei o vestibular para o curso de História da UEG/Itapuranga, ao qual fui aprovado no ano de 2012. Quando soube da notícia de minha aprovação no vestibular, fizemos um churrasco para comemorar. Lembro-me que eu e todos os meus familiares e amigos comemoramos minha aprovação. Sei que para certas pessoas, fazer um churrasco para comemorar a aprovação em um vestibular para licenciatura talvez seja um pouco exagerado, demasiado excesso de tempo e dinheiro. Talvez para essas pessoas, o correto seria conseguir comemorar a aprovação em cursos “modinhas”, como medicina, engenharia ou direito. Mas, por outro lado, para um filho de um trabalhador rural e uma doméstica, o simples status de ser aprovado em um vestibular em uma universidade pública já é motivo de grande comemoração. Talvez porque, mesmo enfrentado inúmeros desafios durante minha vida escolar no ensino básico, tendo que trabalhar para ajudar com as despesas em casa e estudar ao mesmo tempo (desafio que provavelmente certos abastados nunca enfrentaram na vida), eu tenha motivos mais do que especiais para comemorar sim. E foi isso que eu fiz.


Antes que as lágrimas comecem a escorrer pelo teclado do notebook, quero aqui expressar meu total apreço pelos professores que acima foram mencionados, vocês foram, e continuam sendo, exemplos de dignidade, superação e humanidade.


Pois bem. Quando comecei no primeiro ano do curso de História, muitas ideias certezas que eu tinha, começaram a ruir. Não posso deixar de dizer que cresci em um ambiente familiar cristão-evangélico. Desde criança eu frequentava e igreja. Realizava todas as atividades e raramente perdia um culto, uma festividade ou um congresso. Era o “tipo ideal” de um exímio jovem cristão-evangélico. E aqui, não estou a zombar da religião evangélica (ou de qualquer outra) e muito menos dos valores que aprendi quando ainda era um frequentador e praticante, o que de fato foi importante. Apenas quero mencionar o fato de que, já no primeiro ano do curso de História, muitas verdades absolutas, muitos conceitos cerrados, muitas ideias postas, prontas e acabadas que eu possuía, e muitas delas em consequência da minha vivência na igreja, foram sendo gradualmente colocadas em discussão e questionamentos em sala de aula. E essa perspectiva de reflexão, de pensar a “contrapelo” (para utilizar um termo benjaminiano), não só me deixou com certos questionamentos internos, como gerou em mim, uma maior capacidade de pensar e analisar de modo crítico o que eu estava vivendo, não só no seio da igreja. Quando tive contato com certas teorias científicas e acadêmicas, como a do evolucionismo, que contrapõe a do criacionismo, percebi que, independentemente do que se acredita, é muito importante considerar e respeitar os diversos pontos de vista. Lembro-me que, quando comecei o curso de História, um irmão da igreja chegou em mim e me disse: “olha, toma cuidado pra você não “desviar” da igreja, irmão; porque geralmente quem faz História, não acredita mais em Deus”. Naquele momento eu apenas respondi que eu estava bem e que sabia separar bem as coisas. Hoje, já graduado, especialista, mestre e lecionando, talvez minha resposta fosse: “Bem, se o curso de História, que me ajudou a pensar criticamente, a me tornar um ser humano melhor e a não acreditar em tudo que me dizem; e se por essas características eu entender que ele abala minha fé, então eu não preciso necessariamente frequentar igreja, já que ela não me deixa criticá-la, e me quer um sujeito bitolado, alienado”. Isso não significa, por outro lado, que eu precise, obrigatoriamente, por ter realizado um curso de ciências humanas, me tornar um ateu, usar roupas largas, fazer uma tatuagem, fumar maconha e muito menos sair atacando à torta e a direita as religiões e as igrejas e negar sua histórica relevância”. E acrescentaria: “estudar e adquirir conhecimento crítico, não retira ou abala a fé de ninguém, apenas a fortalece ou a deixa mais refinada, afinal de contas, todos temos fé em alguma coisa”.


Como se observa, o primeiro grande impacto que a universidade entronizou em minha concepção de mundo foi, sem dúvida, no que tange à questão religiosa. Ao longo de todo primeiro ano de curso, fui aprendendo sobre a importância de relativizarmos o que dizíamos, ouvíamos e líamos. Fui impelido a questionar as narrativas prontas e acabadas. Fui absorvendo e assimilando um certo ceticismo crítico-analítico, oriundo dos textos que lia, das discussões e debates que os professores realizavam em sala de aula. Essa transformação e esse processo de indução crítica e cética – para um jovem que dificilmente questionava o que lhe diziam – realmente foi complexo. Já no primeiro ano da faculdade ingressei em um projeto de pesquisa a convite de um professor do curso. O foco temático do então projeto de pesquisa era discutir e debater os movimentos sociais latino-americanos no contexto do Neoliberalismo, ao qual fiquei incumbido de pesquisar o movimento zapatista no México. Com o passar do tempo, ao passo que investia esforços em leituras e pesquisa sobre o meu tema, fui tomando gosto pelos movimentos sociais e as lutas dos camponeses, em todos os espaços e conjunturas. Não tardou e logo fui contemplado com uma bolsa de pesquisa, no valor de 400 reais, que me fui muito importante no decorrer de toda a graduação. Para um estudante de universidade pública, filho de trabalhadores humildes, uma bolsa de estudos era algo que inimaginável; onde vez ou outra, tinha que decidir, se comprava o texto para a aula do dia seguinte, ou um lanche.


Com muito esforço e dedicação, levei o projeto de pesquisa muito a sério e minha temática ainda mais. No último ano de curso, estava com minha monografia praticamente pronta. À medida em que as leituras aumentavam e as possibilidades variadas de visões de mundo cresciam, eu ia me metamorfoseado. Já não era mais aquele jovem açabarcado de noções pré-concebidas e verdades absolutas. Enfrentei inúmeros desafios no meu “círculo” social e familiar. Quando decidi não mais frequentar a igreja, porque não suportava mais a hipocrisia de certas pessoas que de lá se lançavam como falsos apedeutas, a reação de muitos próximos a mim foi de espanto e revolta. Apesar dos dias difíceis, que ainda sobrevém, continuei a me dedicar aos estudos sem peso na consciência, me apoiando nas novas amizades acadêmicas, nas leituras, nos textos, nas aulas, nos seminários, nas viagens, nos eventos etc. A universidade, o ambiente acadêmico e o curso de História se tornaram para mim, um proposito de vida sem qual eu não conseguia mais me ver sem. Era e ainda o é, o sentido de minha vida.


Nos quatro anos de curso na UEG-Itapuranga aprendi a ser uma pessoa melhor, mais humana e sensível. Passei a defender as causas das minorias, como a dos trabalhadores camponeses, das mulheres, dos indígenas, dos negros, da comunidade LGBTQ, entre outros. Passei a ouvir mais, a sentir mais e, não raro, a comedir as palavras e considerar outros pontos de vista sobre qualquer assunto ou abordagem. Essa é a grande razão de ter continuado a cursar História. Mesmo quando de uma aprovação em um concurso dos Correios no ano de 2014, ao qual na grandiosa ilusão de seguir carreira no funcionalismo público federal, fui para Goiânia, começar a trabalhar como carteiro. Ao abandonar o curso no terceiro ano, morando em casa de parentes e nunca ter a experiência de habitar em uma metrópole, me senti sozinho, com um vazio que me consumia a cada dia. Após de um mês de trabalho, liguei para o professor Valtuir e disse que não estava mais aguentando aquilo, que eu queria voltar e chorando, disse que sentia a sua falta e de todos os outros professores. Mais do que de pressa, o professor Valtur disse que estaria de braços abertos à minha espera, que eu poderia retornar sem receios e temores. Foi o que fiz, não sem pensar na decisão drástica e dramática que tomara. Me desliguei dos Correios, na perspectiva de terminar o meu curso e seguir a carreira docente. O retorno não fora fácil. Ouvi de muitas pessoas que eu não deveria ter tomado tal decisão, de abrir mão de um concurso federal onde se tinha estabilidade para se “aventurar” na docência. Muitos, inclusive pessoas próximas a mim, familiares, disseram que eu estava louco, literalmente. Eu, convicto de que estava são e sem qualquer desvio de psicose, ouvia tudo aquilo calado, dizendo a mim mesmo internamente que um dia iria calar a boca dessas pessoas. Mais do que de pressa retornei às minhas atividades acadêmicas, inclusive no estágio. Ali, na primeira experiência de sala de aula, com todo nervosismo do primeiro dia e das primeiras semanas, percebi que ensinar e lecionar eram práticas que eu não gostaria de prescindir. Ali, no estágio, notadamente, decidi, de uma vez por todas, que iria seguir na carreira docente e universitária. Logo, terminei minha graduação, ingressei no mestrado, especialmente motivado e incentivado pelos professores que ao longo de todo curso de História, apostaram em meu potencial. Devo a eles (Valtuir, Lucas Pires, Cláudio Tavares, Damiana e Eliete), à universidade e ao curso de História tudo que hoje me tornei como pessoa e profissional.


A História mudou minha vida.

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