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Prosa e pamonhada: ambiente de comunicabilidade


Como tenho insistido e militado, cotidianamente, precisamos conversar mais, sempre acreditando no diálogo para resolver as inúmeras diferenças existentes em nossa contemporaneidade e procurar dar sentido para nossa vida em comunidade. Parece uma receita, mas se torna uma experiencia que pode ser sentida com alguns encontros de diálogos que temos vivenciado em nosso grupo de estudo e aprendizados.


Grupo este que se reuniu para fazer pamonha e conversarmos. Conversa regada com inúmeras contradições, consensos e dissensos, tendo como centro desse fazer a iguaria mais consumida em nossa região, a saber, a pamonha de milho verde. Importante, apreendemos com as mãos.


Mas fica um questionamento; quem não conviveu, participou, esteve presente ou encontrou um grupo de amigos, vizinhos e parentes, como somos habituados a dizer, para fazer pamonha? Penso que muitos interlocutores que estão lendo essa digressão podem se ver trabalhando com as mãos na feitura da pamonha, mas com uma prosa que embala vários temas e opiniões, tais como o processo eleitoral passado e vindouro; falar da vida dos outros e de nós mesmos; emitir opinião sobre a nossa economia, política e cultura, tudo se torna um intenso processo dialógico e de aprendizado.


Todo esse processo tem início com uma conversa, melhor dizendo, o convite entre os fazedores de pamonha, marcando o local, data e dia, escolhendo-se um local, residência e espaços que podem propiciar aos “pamonheiros” algumas horas de dedicação na colheita do milho na lavoura, que pode ser ali próxima da residência anfitriã, ou mesmo escalando alguém para que possa comprar o balaio/mão de milho, exatos 30 atilhos, ou como queira, 120 espigadas de milho.


Tudo é conversa e aprendizado que se desenvolve através de um telefonema ou convite pessoal, quando encontramos o pessoal do grupo em nossos caminhos. A prosa continua no preparo envolto em todo um ritual, talvez seja a representação de nosso passado incaico ou asteca, como se fosse uma reminiscência de nosso passado com os primeiros a produzirem e consumirem o milho como cardápio, tudo regado a uma boa prosa.


Nesse processo estão dispostos os descascadores e catadores do milho, após o corte da espiga, com a retirada do pé do milho, deixando tudo no jeito para que o serviço das catadeiras e catadores possam entrar em ação. As espigas e palhas são empilhadas, amontoadas e acondicionadas nas vasilhas – panela, bacias de plásticos e outros recipientes que aparecem de tudo em quanto é lado. Também há espaços improvisados para fazer esse acondicionamento, feito nos bancos ali próximos e mesas servindo de local para abrigar as espigas e palhas que irão embalar, enformar e amarrar as pamonhas.


A prosa vai se intensificando e continua para se saber dos presentes qual a qualidade de pamonha precisa ser temperada, as sugestões são inúmeras, de sal, doce, com jiló, com queijo, pimenta e recheada com carne bovina ou suína, como linguiça ou lombo de porco. A prosa não se encerra, pois aparecem temas diversos nesse ambiente do diálogo e das diferenças, tais como, conversas entrecruzadas sobre o processo eleitoral, palavras com duplo sentido, sem contar que aparecem receitas de bolos, para emagrecer e até para curar algumas enfermidades.


Mas o ritual vai se complementando junto com a divisão das massas em vasilhas, doce, sal e temperada. Aparecem as mãos femininas, em sua grande maioria, fazendo a trama de enformar e amarrar as pamonhas usando cordões de algodão, com filetes da palha verde para identificar o sabor. Nesse ritual pode ser usado elástico látex (liguinha) com cores variadas para melhor identificação das pamonhas de doce, sal, pimenta, jiló e linguiça.


Ah! Já ia me esquecendo, em alguns lugares o cozimento se faz em fornalhas caipiras ou trempes precisando de um grupo de companheiros para colocar fogo na lenha, literalmente. Evidente que em nossa contemporaneidade passou a ser comum os fogões a gás, mas tudo é cozimento.


Existem alguns detalhes que são convidativos para que possa produzir a prosa com pamonha. Além do tempo chuvoso é importante ressaltar a produção de fartura e ventura encontrada na agricultura camponesa em Itapuranga, representada pela roça de nossos amigos que ficou produtiva. Evidentemente que em alguns casos o convite parte não do dono da lavoura, mas de nós mesmos, indagando-o se a sua lavoura de milho não está boa para uma pamonhada? Mas isso é um pequeno detalhe, pois podemos fazer uma ação coletiva e comprar o milho para realizar tal intento.


Mas a prosa vai se encorpando, principalmente quando a pamonha fica cozida, quando a fumaça branca espalha um cheiro de pamonha cozida, parece que todos são seduzidos. Neste momento ouvimos gritos e convite para que todos possam degustar a pamonha.


A meninada sai correndo, tropeços em cachorros, caneladas nos tamboretes e bancos, mas tudo vai se ajeitando e ao final todos passam a comer, conversando e comendo. Importante lembrar que a solidariedade se faz presente em todo o momento dessa roda de conversa com pamonha, ajudando os mais desavisados e que não participaram da amarração que precisam de um guia na indicação de qual sabor está sendo ofertado e servido.


Tudo isso é prosa/conversa com pamonha. Aliás, nesse tempo das chuvas, estamos sempre prontos para um convite para estarmos presente em outra pamonhada, pois parece que o milho de um parceiro do grupo ficará granado por esses dias, logo, teremos mais uma rodada de prosa com pamonha, oportunidade para mantermos as nossas diferenças com o respeito aos diversos saberes e sabores existentes.


Prosa e pamonhada é tradição que se renova socialmente, ambiente de inúmeros aprendizados a partir das diferenças. Esse o sentido que move tal representação, como na Folia de Reis ou nas peregrinações aos Santuários de Nossa Senhora da Penha (Guarinos-GO) e Divino Espírito Santo (Trindade-GO). Prosa com pamonha é uma delícia de aprendizados com muitas diferenças!


Prof. Dr. Valtuir Moreira da Silva (UEG Itapuranga)

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