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Sejamos todos mobilização



Em tempos de crise política e econômica, disseminação em massa de fake news, alta histórica do dólar, conduta indecorosa de representantes do governo, ministro da economia com offshore em paraíso fiscal e consequente conflito de interesses, presidente genocida, Brasil de volta ao mapa da fome, comercialização de restos e ossos, cortes na saúde, sucateamento da educação, flerte com o fascismo e aumento significativo da violência e desigualdade sob o governo Bolsonaro, torna-se difícil manter a esperança diante dessa onda de notícias tristes e revoltantes, mas que de forma alguma é recebida com surpresa para quem ouvia o que Bolsonaro gritava a plenos pulmões quando ainda ocupava o cargo de deputado. O Brasil encontra-se refém dos representantes da elite, marionetes que visam apenas os interesses dos grupos dominantes, excluindo ainda mais a população já marginalizada. É deplorável a situação dos povos indígenas tendo que lutar com ainda mais afinco contra o garimpo e o desmatamento em massa de suas terras, sem apoio governamental algum, ao contrário, tendo o governo como o maior inimigo das causas ambientais.


A população negra permanece ameaçada com a violência policial, catastroficamente intensificada sob o governo Bolsonaro que, em contrapartida, dificulta o acesso à educação, sucateando a mesma e não se valendo de políticas públicas que visam a promoção do acesso de pessoas com baixa renda, a quem resta a escolha entre estudar ou trabalhar por um salário indigno e não morrer de fome, isso quando ainda se tem o privilégio da escolha, em meio a uberização e aos cada vez mais desumanos e inseguros trabalhos informais. Portanto, como já esperado, a situação das mulheres é tão ou mais preocupante quanto as demais, estamos progressivamente sendo subjugadas ao outro, a figura masculina, como já analisado por Simone de Beauvoir em sua obra O segundo sexo, a mulher existe enquanto o outro do homem, sendo as mulheres negras o outro do outro, duplamente marginalizadas, tanto pelo gênero quanto pela raça. Contudo, a nossa situação, enquanto mulheres no Brasil, torna-se gradativamente problemática, além de lidar com a opressão sexista, imposições patriarcais e desigualdade social de gênero já característicos de nosso meio social, temos que encarar um desgoverno misógino, que defende o retrocesso a todo custo, especialmente com relação às conquistas e direitos femininos.


No país onde ocorre estupro com provas, incluindo áudio, vídeo e material genético que incriminam o estuprador, empresário, hétero e branco, onde o mesmo é absolvido e é produzida a falácia do “estupro culposo”, faz-se visível o quão vulnerável estamos e o porquê de tantas mulheres recusarem-se a denunciar seus agressores, tendo consciência de que no decorrer do processo, podem lhes retirar instantaneamente do papel de vítimas e atribuí-las o de responsável pelo crime sofrido, direta ou indiretamente, já que a culpabilização da mulher é uma arma histórica de dominação e opressão. Contudo, em meio à crise política, econômica, moral e ética a que estamos expostos, além da misoginia propagada pelos representantes do governo federal, os desafios são diversos e os enfrentamentos devem ser constantes. Outro exemplo evidente da crueldade e misoginia de Bolsonaro, foi o veto à distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema. Por conseguinte, o fato é que a política da morte, desumana, misógina, xenofóbica, racista e elitista de Bolsonaro tem o retrocesso, a crueldade e a falta de sanidade como principais embasamentos, além de fundamentar-se na simbiose patriarcado-racismo-capitalismo, a qual a socióloga Heleieth Saffioti discorre de forma contundente em suas célebres obras, como Gênero, patriarcado e violência. Considerando a não existência de um processo de dominação sem um processo de exploração, ter as mulheres como responsáveis pelo trabalho reprodutivo sem remuneração é vital para a manutenção do sistema capitalista. Desse modo, manter as mulheres em sua posição social de marginalização, opressão e exploração, é também uma maneira de submetê-las ao exercício do papel socialmente atribuído a elas no capitalismo. As ações desse governo misógino e elitista, que nega distribuição gratuita de absorventes no país, sendo que uma em cada quatro adolescentes faltam às aulas por não ter acesso a absorvente no período menstrual, contribui para a intensificação da pobreza menstrual, considerando que a mesma não se trata apenas da falta de acesso a itens básicos de higiene, como os absorventes, mas também da falta de informação sobre o assunto e o fato do tema ainda ser tratado como tabu.


Consequentemente, aprendemos desde cedo que as construções sociais beneficiam os homens em detrimento das mulheres, sendo reservado a nós um papel secundário, o papel de “outro” do homem, como já mencionado. Essa hierarquização só pode ser desconstruída com uma mudança radical e efetiva em todo o meio social, político e econômico. Enquanto tivermos um mandatário que prioriza o retrocesso, o elitismo e marginaliza ainda mais as minorias, esse cenário não é capaz de ser alterado, restando a nós todos, o uso prático do verbo lutar, contra a misoginia, o preconceito, a corrupção, o charlatanismo, a fome, a repressão e a desigualdade. O icônico Belchior já cantava que “o passado é uma roupa que não nos serve mais”, há tempos que essas “roupas” nos apertam, marcam, machucam e outorgam sobre nós o peso da exploração, racismo, misoginia, marginalização e preconceito.


Todavia, os cúmplices da elite do atraso seguem defendendo seus interesses, os atuais representantes dos grupos dominantes permanecem com seus projetos. O Brasil já registra mais de 600 mil mortes oficiais por corona vírus, que poderiam ter sido evitadas, não fosse o negacionismo, a postura criminosa e a irresponsabilidade do presidente com relação ao isolamento social, atraso na compra de vacina e disseminação de fake news sobre a Covid-19. O estado lamentável de famílias que vivem em insegurança alimentar, em pobreza extrema e até em situação de rua, poderia ter sido amenizado e até evitado, não fosse o descaso com a população brasileira, especialmente com relação aos socialmente marginalizados como homens e mulheres com baixa renda, negros e moradores de periferias. O fato é que Bolsonaro tem que ser responsabilizado, é inconcebível que um presidente da República se porte de forma tão irresponsável e cruel e não responda por suas ações, ou omissão das mesmas. O resultado da impunidade é a permanência do estado de calamidade e da persistência na reprodução de fake news, como a divulgada em uma das lives semanais do presidente, de que as pessoas totalmente imunizadas estão desenvolvendo AIDS. A notícia falsa foi formulada no Reino Unido, por um grupo de negacionistas, o Facebook excluiu a live do presidente, como fez com um vídeo postado por Bolsonaro em março de 2020, onde o mesmo irresponsavelmente indica a cloroquina para o tratamento da Covid-19 e defende o fim do isolamento social, mesmo com o número de mortes pelo vírus aumentando catastroficamente.


Além de um pedido de afastamento do presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal (STF), após a divulgação da fake news sobre o corona vírus em sua live, a CPI da covid também pedirá o indiciamento do presidente aos órgãos públicos responsáveis, por 9 crimes de Bolsonaro, sendo eles: crime de epidemia com resultado de morte, crime de infração a medidas sanitárias preventivas, crime de emprego irregular de verba pública, crime de incitação ao crime, crime de falsificação de documentos particulares, crime de charlatanismo, crime de prevaricação, crime contra a humanidade e crime de responsabilidade. Precisamos nos manter atentos e ativos socialmente, lutando e nos posicionando nas ruas, na escrita, no canto, na fala, na arte. Bolsonaro e sua estirpe não passarão, é o início do fim para eles.


Há alguns dias me deparei com um post, feito em uma das redes sociais da professora de Física Elika Takimoto, que também é doutora em Filosofia e mestre em História, ela afirmou não gostar da palavra “resistência”, pois segundo a mesma, “na Física, a força é sempre menor (ou igual) a força que gera o movimento, por isso evito usá-la. Não seremos resistência. Seremos mobilização. Força é igual massa vezes mobilização”. O posicionamento de Elika soa como um convite à ação, à defesa de uma antítese, ao desconfortável, porém necessário, lugar de confronto. Que possamos então ser mais que resistência nesses tempos sombrios, parafraseando Ngozi Adichie, sejamos todos mobilização.




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