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Tendências, somente tendências



A precisão do futuro é algo quase impossível. O que podemos analisar são tendências, pois não sabemos de todo o processo, de todas as outras tendências e determinações que vão se concretizar. No entanto, a partir de informações e reflexões sobre a realidade presente, podemos observar as tendências mais fortes, com suas possíveis variações. Não quero aqui externar minha posição acerca de tais tendências e possíveis efeitos porque com isso teria que escrever, como dizem, um textão.


Por enquanto vou me restringir em dizer o que espero e desejo em relação ao novo presidente eleito. Bem, o que espero concerne ao que todo cidadão pode esperar de um candidato que é eleito por meio do voto democrático. E o mínimo que se pode esperar de um presidente que se elege em uma República democrática é que o mesmo seja político no sentido conceitual, ou seja, que ele atue de acordo com a Constituição. O que isso significa? De acordo com os clássicos da política (entendendo clássico como aquilo que resiste ao tempo) dentre eles Aristóteles (A política) e John Locke (Segundo tratado sobre o governo civil) o poder político é diferente dos poderes: marital, paternal e senhorial. Porque tais poderes pressupõem a desigualdade entre os envolvidos e se assenta na vontade de uma só pessoa.


Enquanto que o poder político é exercido entre os iguais, e se assenta na vontade coletiva que é concretizada na lei. Posto isto, o poder político deve ser exercido visando sempre o bem comum. Mas o que é o bem comum? É Aquilo que corresponde ao interesse de todos? Ou aquilo que atende a vontade da maioria? Ou seria outra coisa que perpassa essas duas? De modo geral, sobretudo na filosofia política, o bem comum não é definido, porque já se pressupõe que todos saibam o que é.


Todavia, alguns teóricos defendem a primeira alternativa mencionada acima, nesse caso seria preciso pensar um corpo político não muito extenso do ponto de vista geográfico e com uma simplicidade de costumes e com maior unidade ideológica, social e econômica possível. A segunda alternativa é defendida pelos seguidores de uma corrente de pensamento utilitarista. De acordo com ela, o bem comum consiste em maximizar o máximo de bem estar para o máximo de pessoas.


Diante disso, podemos perguntar, um governante precisa agradar a todos? Ou apenas a maioria? Nesse contexto, não se espera que ele agrade a todos, mas que ele promova o bem comum, compreendido como espaço institucional que garanta a igualdade política de todos e por conseguinte a igualdade civil. Isso implica em ter atenção aos fundamentos e aos objetivos de um Estado democrático, cujos quais aparecem nos respectivos artigos da CF/88 que seguem abaixo:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.


Este último inciso (IV do artigo 3º) trás um conteúdo muito denso e pertinente que precisa ser muito bem compreendido em sua dimensão sociológica, tanto por quem governa, quanto por quem é governado. Porque tal inciso diz respeito à igualdade civil como ponto de chegada e não como ponto de partida. Conceitualmente falando, a igualdade civil significa igualdade perante a lei. Infelizmente essa ideia é compreendida de forma muito simplista.


Para que as pessoas sejam, de fato, consideradas iguais perante a lei são necessários alguns pressupostos. Dentre eles o princípio clássico da equidade defendido por Aristóteles em sua obra A política. De forma concisa, tal princípio significa tratar de modo desigual os desiguais para torná-las iguais. Ou seja, as pessoas não são iguais. A vida política é constituída de pluralidade. Quem governa uma nação precisa ter plena compressão disso. Ou seja, precisa saber que uma sociedade civil é muito complexa e tal complexidade precisa ser considerada, do contrário, em última instância, se pode instaurar até mesmo a morte do corpo político.


Aristóteles revela, em sua já obra aludida, que a pluralidade é algo natural de uma comunidade política. De modo que a cidade (corpo político, Estado) que se afastar da pluralidade em direção a unidade se torna cada vez menos cidade, se aproxima cada vez mais da família. E está se aproxima cada vez mais do indivíduo.


Sendo assim, a igualdade civil é o termômetro que revela a saúde de um corpo político. Não se pode falar de igualdade civil em um corpo político onde: o religioso não possa viver a sua religiosidade (seja qual for a religião) de forma segura, o ateu não possa viver o seu ateísmo de forma segura, o homossexual não possa viver a sua homossexualidade de forma segura, e etc. Enfim, não há igualdade civil sem o princípio da liberdade.


Nesse caso, como já foi afirmado acima, a igualdade civil é um ponto de chegada que para ter êxito é preciso que os diferentes sejam tratados diferentemente, ou seja, precisa fazer valer o princípio da equidade. Nesse contexto, se pode tratar da necessidade de medidas para garantir a equidade, daí se fala em lei do feminicídio, do racismo, homofobia, das leis de cotas que são necessárias e legítimas, etc.


Isso não é um programa de governo que deve ser cumprido por um presidente, mas, são princípios e objetivos do Estado democrático que devem balizar o exercício de todo e qualquer governo presidencial que venha ser eleito, independentemente do partido. Portanto, o mínimo que podemos esperar do novo presidente é que o seu governo seja assim balizado.


Diante disso, é notável que o presidente eleito não poderá transportar para o plano governamental diversos pontos do seu plano eleitoral. Tanto em nível de discurso, quanto em nível de proposta programática. Todos sabem que um dos primeiros desafios dele será promover a união do país. Pois, muitas pessoas estão em clima de guerra civil violenta.


Alguns fatores causadores desse clima não são de responsabilidade dele, mas outros foram provocados por ele. Mas, independente de quem foi o culpado de causar esse clima, a solução governamental para tal problema cai no colo do presidente eleito. Restabelecer essa união está longe de fazer com que todos tenham o mesmo pensamento. Mas, fazer com que as pessoas vejam o adversário político como adversário, ou quem pensa politicamente diferente dele como adversário e não como inimigo a ser eliminado. Sobre esse assunto Chantal Mouffe (2005) nos faz a seguinte afirmação:


A política busca a criação da unidade em um contexto de conflitos e diversidade; está sempre ligada à criação de um “nós” em oposição a um “eles”. A novidade da política democrática não é a superação dessa oposição nós-eles (...) O ponto crucial é estabelecer essa discriminação nós eles de um modo compatível com a democracia. O propósito da política democrática é construir o “eles” de tal modo que não sejam percebidos como inimigos a serem destruídos, mas como adversários, ou seja, pessoas cujas ideias são combatidas, mas cujo direito de defender tais ideias não é colocado em questão. (...) A categoria de “adversário”, todavia, não elimina o antagonismo. Um adversário é um inimigo, mas um inimigo legítimo, com quem temos alguma base comum, em virtude de termos uma adesão compartilhada aos princípios ético-políticos da democracia liberal: liberdade e igualdade. Discordamos, porém, em relação ao sentido e à implementação dos princípios e não se pode resolver tal desacordo por meio de deliberação ou de discussão racional (p.20).

Como vimos, nas palavras da autora, em uma democracia saudável as diferenças políticas não deve implicar numa eliminação do diferente. É preciso reconhecer e respeitar a legitimidade do mesmo. Isso vale tanto para os governantes, quanto para os governados.


Voltando a questão de unir o país, o que o presidente eleito vai fazer em relação a isso? Ainda não sei. Como será o governo dele em termos de resultados? Como disse, no início, ainda é cedo para precisar de forma ampla, pois dependerá muito da composição dos ministérios e dos arranjos e alianças no congresso. O máximo que se pode fazer agora é identificar algumas tendências fortes que podem ou não ser concretizadas durante o exercício de seu governo. Quais tendências? Sobre isso, podemos conversar em outro momento. Até porque o meu texto já está bastante longo.


Saudações, colegas.


Texto:

João Aparecido Gonçalves Pereira

(Professor de Filosofia, mestre em Filosofia pela UFG).

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