O ano de 2018, que finalmente se encerra para a sociedade brasileira, caracterizado pela vitória de Bolsonaro, é, sem dúvida, o mais importante do século XXI, superando, no campo simbólico, a primeira eleição presidencial de Lula. No início dos anos 2000, quando o ex-metalúrgico chegou à presidência, o país vivia uma grande expectativa, porque, depois de algumas tentativas, o líder sindical alcançara o posto mais alto da esfera política.
No entanto, apesar da expectativa alta, evidenciada pelas fotos que representavam o anseio popular na Esplanada dos Ministérios no dia da posse, culminando no pentacampeonato da seleção, dita brasileira, mas pertencente a CBF, na Copa do Mundo da Coréia do Sul e do Japão, o país tinha a certeza que a frágil, mas importante democracia continuaria se fortalecendo com a eleição do petista. A sensação foi aumentada quando Lula, no dia 22 de junho de 2002, escreveu a sua famosa e importante Carta ao Povo Brasileiro, quando fez uma sinalização para o mercado financeiro, apaziguando as “angústias” do voraz sistema, procurando construir uma relação de que os despossuídos possuiriam e os que possuíam iriam possuir ainda mais.
A carta de Lula falou e continua falando de contrato social, sem grandes rupturas, e foi isso que o ex-presidente promoveu durante os seus dois mandatos, e assim o fez, de forma menos habilidosa, sua sucessora Dilma Roussef. Nesse sentido, durante os anos petistas não houve ruptura com o sistema econômico, com o sistema político, religioso ou de qualquer outro núcleo que compunha o establishment. Em síntese, não houve comunismo, e tampouco o Brasil se aproximou de um regime autoritário. Essa é, indubitavelmente, uma importante constatação crianças.
No entanto, mesmo sem romper com o status quo, não significa que não houve mudanças significativas nos treze anos que o Partido dos Trabalhadores esteve no poder, pelo contrário, foram anos no qual a população mais vulnerável teve o mínimo de dignidade. Antes disso, com raros avanços nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, a dignidade para os pobres era negada. Há uma nítida diferença entre mudança e ruptura, nessa esfera, o PT propiciou modificações importantes, mas não ousou romper com o sistema.
Diferente daquele que parece ser seu “ídolo mor”, o futuro Presidente não transparece que não irá fazer rupturas, porque acena para rupturas o tempo todo. No entanto, seu aceno não significa que irá romper com as estruturas do establishment, mas que irá fortalece-las. Isso significa que a característica da sociedade brasileira, a saber, a desigualdade social, irá aumentar. Ou alguém, leitor/a dessa coluna, acredita em mercado financeiro humanizado no Brasil?
Então, Temer usurpou o poder, insuflado pelo discurso da mídia dominante, afirmando que sinalizar de forma benevolente para o mercado, voraz, faria com que esse núcleo diminuiria sua voracidade e se compadeceria dos milhões de brasileiros que dormem, infelizmente, amalgamados com a fome. O governo Temer ficará marcado pelas reformas que beneficiaram o mercado financeiro, pela entrega das riquezas nacionais, como exemplo as refinarias do pré-sal para multinacionais, venda de 80% da Embraer, e inúmeras desonerações fiscais para grupos econômicos, em especial multinacionais do Petróleo que foram agraciadas, no final de 2017, por meio da Medida Provisória (795), quando concedeu uma série de redução de impostos, girando na casa de aproximadamente um trilhão de reais.
Enfim, a grande maioria das políticas públicas implementadas pelo governo Temer não foram feitas para atender ao público, mas para agraciar e favorecer o lucro do privado que se vale do público para se enriquecer ainda mais, principalmente dentro de um contexto que impõe, sem nenhuma restrição, as hostes neoliberais. O reflexo das ações do neoliberalismo pode ser percebido com a intensidade da miséria social no país.
Ou seja, quando a FIESP, no final de 2015 e início de 2016 disse que não pagaria o pato, a Federação tinha toda razão, porque não pagou o pato, mas o mesmo não pode ser dito para o povo pobre desse país. Muitas pessoas, pelo antipetismo muito presente, podem não admitir, mas lá no íntimo do íntimo têm noção de que suas vidas pioraram e muito depois que o pemedebista assumiu o poder.
Não é possível imaginar que o futuro presidente se distanciará de Temer, principalmente se observado for o campo econômico. Essa triste evidência, de continuísmo econômico, pode ser presenciada em algumas sinalizações de Bolsonaro, quando em mais de uma oportunidade disse que dará continuidade em algumas ações econômicas de Temer. Talvez, a diferença entre os dois esteja no maior apego do atual presidente com o que ainda resta de democracia no país. Parece ironia, mas não é.
Quando, no início do texto, dei ênfase a importância de 2018 para o país, foi justamente na incerteza de que esse ano reserva para os vindouros. Afinal, a democracia, mesmo aquela que estamos acostumados, a saber, não de forma plena, não está assegurada a partir de janeiro. É justamente na imprevisibilidade da continuidade democrática, propiciada, pensando em um processo de curta duração, pelos acontecimentos de 2018, que o contexto atual é, a meu ver, o mais importante das últimas três décadas.
Importância, no sentido atribuído acima, não está exclusivamente relacionado com quem ocupa, nesse momento, o poder, mas com o simbolismo que carrega, já demonstrado, mais de uma vez, seja por falas ou ações, que Democracia é apenas um detalhe. Ao relativizar a importância democrática, não é possível ser ingênuo e assegurar que vivenciaremos um governo normal. Independentemente das ações vindouras, normalidade é uma palavra que corre risco de desaparecer, se não definitivamente, pelo menos momentaneamente nos rincões brasileiros.
Sinceramente, meu temor é que o momentâneo se torne duradouro
Comments