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Paulo Freire: vamos pensar em educar e aprender


Mas o que desejo comunicar a respeito de Paulo Freire como um intelectual brasileiro e do mundo? Respondo de pronto: é uma oportunidade de pensar alguns caminhos trilhados por esse advogado que se tornou educador, no sentido mais lato e stricto do termo, haja vista que foi um daqueles que tinha um papel de ajudar a educar ou formar sempre. Tudo é educação. Sempre um ato político.


Um primeiro olhar que me inquieta é a certeza de que Paulo Freire não foi educador nato, mas de fato ele se fez e refez como educador, talvez muito próximo do educa-amor, preconizado por esse intelectual. O que estou vendo na vida e obra desse intelectual é a certeza de que sua trajetória de vida foi construída em meio ao povo – camponeses, pobres, analfabetos e discriminados – dando-lhes as experiências para construir um vigoroso método de se fazer ensinar e aprender ao mesmo tempo. O educa-amor com comprometimento.


Não pretendo fazer um estudo biográfico de Paulo Freire, pois temos inúmeras obras e artigos que dão conta de muitas facetas da vida “errante” de quem sempre trilhou no caminho da construção do conhecimento. Freire se descobriu como educador experienciando. Categoria que aprendi e compartilho sempre, embasando-me nos estudos de E. P. Thompson e Walter Benjamin, estudos que inspiraram para essa conversa que procuro aprender mais do que ensinar. Apreendendo com o envolver-se.


Mas Paulo Freire foi, sim, um intelectual, não somente brasileiro, mas suas ideias, saberes, compreensões e incompreensões fizeram e continuam sendo inspiração em nossa contemporaneidade, como parte de muitos debates acadêmicos e não acadêmicos nestes tempos de muitas incompreensões e raivosidades existentes. E vejam que, intelectual que não ficou somente no saber construído academicamente, também era um militante de muitas causas. Daí a certeza de que seus aprendizados que usamos hoje, na educação, deve ser transformador e que nos trazem muitos sentidos. Educação que ajuda na libertação.


As experiências acumuladas na vida de Paulo Freire, talvez o habitus de Bourdieu, nasceram com sua capacidade de saber escutar para depois conversar a respeito. Na trilha de buscar conhecer sempre, esteve em constante diálogo e escuta com o povo. Isso mesmo, o povo que se faz povo. E aqui, Povo, com P maiúsculo, como uma categoria que o mesmo se apropria para se fazer ser, ouvir e interpretar a realidade vivida. Vivências que foram compartilhadas com camponeses, mulheres, indígenas, enfim, homens e mulheres que estiveram sempre esquecidos/silenciados na trajetória de construção da nação, não reconhecidos com seus saberes, sabores e sentidos. O sentido da escuta.


Percurso realizado desde Recife, sua cidade de nascimento, em 21 de setembro de 1921. E que, partindo deste contexto, levando a pensar o que se vivia e como seria possível transformar um processo histórico de formação e de silenciamento para muitos atores sociais permeados de inúmeras lutas, labutas, conquistas, derrotas e um intenso processo de migração do povo pobre e trabalhador, historicamente em marcha. Saberes cumulados.

Ao vermos a trajetória de migrante na vida de Paulo Freire, não somente na perseguição que sofrera com o golpe militar de 1964, mas como um cidadão do mundo, podendo conhecer e se formar cotidianamente com os saberes e dissabores construídos em várias realidades vividas. Viveu um processo de formação constante com o homem do sertão, vidas que foram entrecruzadas e que se tornaram aprendizados, daí a certeza desenvolvida e preconizada sempre: de que ninguém educa ninguém, mas somos educados juntos em um processo de formação integral. Educamos sempre.


Freire desenvolveu um método de alfabetização que, em 40 dias, conseguiu fazer com que trabalhadores rurais, com muita esperança de vida e do que poderia vir, aprendessem a escrita formal, incentivados a se verem como sujeitos importantes do processo histórico. Constatação: já eram alfabetizados com os seus próprios conhecimentos que se fizera essencial nesse processo de interlocução. Educação com a vida.


Estou convicto de que Paulo Feire se revolucionou a cada experiência vivida no Brasil, Bolívia, Chile, Estados Unidos, França, Suíça, Guiné, Angola e muitos outros países por onde vivera e trabalhara servindo para demonstrar que sua certeza e crença era acreditar nos excluídos. Demonstrou que o povo era sábio em sua essencial e aparência, mesmo sem dominarem os códigos escritos hegemônicos e vivendo em muitas realidades de opressão. Ensino no fazer-se.


Seus atores e personagens de sua construção filosófica sempre foram inspirados nos trabalhadores e trabalhadoras, pois diante de uma realidade social e econômica de exploração, é ali que o seu método mais encontrou eco, apoio e desenvoltura. Talvez por não levar nada de fora para dentro, mas buscar sempre perceber que o processo educativo deveria ser construído a partir dessa realidade experienciada, buscando fazer o diálogo que produzia mudança em si e na realidade envolvente. Palavras que eram geradoras.


As palavras geradoras que Freire passou a utilizar no que denominamos de método Paulo Freire é, estou convicto de que foram essenciais para fazer desse pensador um intelectual da América Latina e do mundo, não somente característico de mais um estudioso e produtor de método, é muito mais do que isso, levando em consideração que Freire conseguiu se educar junto com os oprimidos e com as inúmeras experiencias compartilhadas que davam o tom e melodia do ato educativo. Todos aprendendo juntos.


Seguir os passos do educador, ou melhor, educa-amor, poderá nos levar para um processo de introspecção para conhecermos a nós mesmos. Pensador que esteve convivendo com uma diversidade cultural, com problemas sociais, econômicos e políticos de nosso Brasil, construiu seu estoque de erudição apreendendo com os analfabetos. Tudo é educação.


A certeza maior que Paulo Freire tinha era de que nunca saía como chegara, mesmo sendo quando contratado ou convidado para levar a sua proposta de alfabetização, nada poderia ser visto como pronto e acabado. Daí podermos entender que sua interação com camponeses, operários, intelectuais desde a América Latina, Estados Unidos da América, Europa e África sempre se colocava como sendo aquele que estava para ensinar e aprender. Educação comprometedora.


Escutar e dialogar eram verbos mais presentes na vida de Paulo Freire, corroborado a partir de Venício Lima, amigo e biógrafo de Paulo Freire, ao publicar “Comunicação e Cultura: as ideias de Paulo Freire” (2011), demonstrando a capacidade dialógica que esteve sempre presente, quer seja com os campesinos, pobres e muitos esquecidos, bem como, com os intelectuais que tivera oportunidade de estudar e compartilhar saberes. O diálogo que nos ensina.


Com a sensibilidade de ensinar e aprender em constante formação, Paulo Freire conseguiu o reconhecimento e a produção de uma série de palestras, comunicações, livros e projetos que foram essenciais para sua consolidação como um método de ensino. Método que precisa ser muito bem refletido e compreendido por todos nós, não como um processo de formação que cega e congela os saberes, aliás esses saberes são compreendidos e demonstrados, fazendo parte da experiência cotidiana de todos nós. Método Paulo Freire.


Paulo Freira acredita na experiência que oprime, mas também liberta, basta aos educandos e educadores estarem cientes de que a realidade vivida é parte integrante e carregada de saberes e sabores. Sua vida de errante, possibilitou fortalecer ainda mais as suas teses já desenvolvidas e iniciadas no nordeste brasileiro. E o que é mais importante, o processo de formação educativa se fez e refez nesse processo construído coletivamente. Não se perdendo os conhecimentos que já estavam cumulados culturalmente pelos atores e atrizes sociais que tivera oportunidade de trabalhar, quer seja um indígena das comunidades chilenas, como membros das comunidades africanas com uma diversidade religiosa, social e cultural muito mais complexa do que encontrará na América Latina. Pedagogia do oprimido.

Daí a certeza de que o educador Paulo Freire merece de todos nós, aqueles que gostam ou não, um olhar mais atento para com suas atividades engajadas, comprometedoras e de suas escrituras. Tendo tal construção dialógica sejamos capazes de compreender, a partir das ideias freireanas, as tensões sociais que se vive nos vários continentes, levando-nos para um entendimento de que a educação seja transformadora. Educação que nos desafia.


Entender a educação transformadora não como algo ligado a um modelo de análise hegemônico qualquer, marxista, socialista, liberal, conservador ou religioso, pois o que estou apreendendo com as releituras de Paulo Freire é que o sentido de sua provocação começa em não aceitar modelos prontos e acabados. E que tais modelos merecem de todos nós, na academia, nos movimentos sociais, na militância do dia a dia e o senso comum, um olhar mais atento para com a trajetória de um educador que afirmou, ao voltar do exílio em 1979, que deveria reaprender o sentido de país. Aprender e reaprender sempre.


Devemos sim, distanciar de nosso conforto pessoal e de certezas ouvidas, inclusive duvidando das minhas assertivas aqui proferidas, para que possamos construir um olhar mais atento e compreensivo de um educador que teve jeito, cheiro e compreensão do povo, manifestando sobre tudo que escrevera, trabalhara e com o seu papel político de cidadão do mundo. Somos seres políticos.


Encerro com as palavras de Rubem Alves, colega de trabalho de Freire na Unicamp. As palavras de Rubem Alves, destacadas no recente livro de Sérgio Haddad, intitulado Um Perfil de Paulo Freire, estão relacionadas com o parecer que fez sobre Freire, como critério de admissão, ou não, de Freire na Faculdade de Educação da Unicamp. No parecer, Alves teceu as seguintes considerações, conforme destaca Haddad:

“Paulo Freire atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir. A questão não é se desejamos tê-lo conosco. A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso lado. É bom dizer aos amigos: Paulo Freire é meu colega. Temos salas no mesmo corredor da Faculdade de Educação da Unicamp. Era o que cumpria me dizer” (2019, p.43).

Somente para não passar despercebido, a efetivação de Freire ocorreu no dia 12 de julho de 1985. Depois dessas considerações, desejo que consigamos nos educar juntos, nós valendo da máxima do educador que conquistou a América Latina e muitos outros países, talvez mais que Simon Bolívar que viu tudo isso “como arar no mar”. Enfim, não se pode concluir em poucas palavras a grandiosidade que representou Freire, tanto em nível de pensar à educação, bem como, no envolver com o processo de construção dos atos educativos. Sensibilidade e altivez que marcaram a trajetória do intelectual por onde passou. Aprendemos e educamos juntos, verbos conjugados e materializados com Paulo Reglus Neves Freire. A formação de seu pensamento e método se constituíram com a experiência em seus costumes em comum, produzido nessa relação dialógica de saber ouvir, entender e agir para com o outro. Educar como ato de envolver.

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