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Uma breve história dos memes


Imagem: images4.alphacoders.com

Desde que a internet passou a ser uma ferramenta que dispõe de um quase infinito acervo de dados e informações a serem acessados a partir de um único clique, o mundo não é mais o mesmo, pelo menos nesse assunto. O ciberespaço constitui peça chave não só no que diz respeito às transformações na dinâmica das informações, do processamento de dados, das redes técnicas, dos processos econômicos, geopolíticos e tecnológicos. Faz parte também de modificações importantes no curso das relações e interações sociais, bem como no modo como novas expressões de comunicação e linguagem se desenvolvem e se reinventam.


No âmbito da linguagem e da comunicação, a web imprimiu novas modalidades e expressões, derivadas de ambientações específicas que foram se modificando com o tempo. Tais ambientações estão vinculadas ao espaço cibernético, onde quase tudo está, direta ou indiretamente, associado à rapidez e à fluidez das informações e dos dados disponíveis. O movimento e o fluxo desse conjunto de dados e informações interferem significativamente em comportamentos e hábitos cotidianos. Analisar esses fenômenos torna-se fundamental se quisermos compreender a constância e a velocidade das transformações no seio da sociedade.


Com o advento das redes sociais, reinventa-se a maneira de constituir relacionamentos e interações. Inerente à constância aplicada aos fluxos informacionais, os métodos e estratégias de conexão interpessoais e coletivas foram essencialmente (re)significadas. Como já aludimos, na linguagem e na comunicação, não foi diferente. Uma das grandes expressões derivativas das redes sociais são os memes. Mesmo que o tema não seja devidamente considerado por algumas pessoas, já é possível dispor de uma farta produção bibliográfica sobre os memes, E, neste caso em particular, trata-se de produção bibliográfica de qualidade, respaldada por artigos científicos publicados em revistas bem conceituadas, monografias, dissertações e teses, desenvolvidas em diferentes programas de pós-graduação em inúmeras universidades.


Mesmo diante dessa eximia produção acadêmica e científica, fica a pergunta: o que são os memes? De onde surgiram? Existe uma historicidade dos memes? Eles podem ser considerados novas expressões e modalidades da linguagem e da comunicação? São perguntas complexas, porém necessárias, que exigem esforço teórico e de pesquisa, mas que tentaremos aqui indicar possíveis resoluções.


Em um primeiro momento, no intuito de procurar uma definição previamente categórica para os memes, busquemos refletir sobre a seguinte reportagem:“A regra básica do meme é rir à primeira vista. Pode ter gatinho fofo, cachorro, bebê, menina, personagem de atriz famosa. É rápido e pode ser sobre qualquer assunto. Aconteceu, vira meme. “O meme é um quadradinho, uma fotinha com uma frase em cima e uma embaixo”, resume Gabriel, criador do Nazaré Amarga. Os fazedores de memes podem agir sozinhos ou em grupos organizados, às vezes enormes, com milhares de colaboradores. Depois do trabalho numa empresa de telefonia, Sandro se dedica à sua página de humor na internet. De Belém, Thiago, estudante de agronegócio, manda suas sugestões. Todos os memes passam por um controle de qualidade e só os 15 ou 20 melhores do dia são publicados na página do grupo ou em grupos de mensagens pelo celular. “É uma nova forma de expressão cultural”, diz o professor da UFF que criou um museu virtual para catalogar e estudar memes”.


O trecho citado é de uma reportagem publicada no site G1.com onde se pode ter uma clarividência de que os memes representam hoje uma “nova forma de expressão cultural”, conforme assevera o professor Viktor Chagas, do Curso de Audiovisuais da Universidade Federal Fluminense, onde coordena o Museu de Memes, o maior acervo de memes do Brasil. Da reportagem, podemos extrair alguns pontos importantes: a) os memes devem possuir como característica comum a ironia, o lúdico, a brincadeira, a ‘zoação’, e devem fazer rir à primeira vista; b) os memes abordam assuntos e temas os mais variados possíveis, como política, economia, cotidiano, relacionamentos, religião, entre outros; c) os memes já integram o circuito da produção em série, no âmbito de empresas especializadas que lucram com sua ‘fabricação’.


Originalmente, o termo meme surge no ano de 1976, por meio de estudos científicos desenvolvidos por Richard Dawkins, um cientista britânico. De acordo com Dawkins (2015), tal como o gene, os memes são uma unidade de informação com a capacidade de se multiplicar, através das ideias que proliferam de indivíduo para indivíduo. E aqui é preciso pontuar algumas questões importantes. Dawkins (2015) desenvolve suas reflexões sobre o memes a partir dos estudos da evolução dos genes, onde os genótipos e os fenótipos são características transmitidas e herdadas geneticamente entre os indivíduos. Entretanto, a definição de meme, mesmo associada à de gene, está ligada à perspectiva de reprodução, mais precisamente de replicação de uma ideia, de uma melodia, de uma poesia, de um texto, de um acontecimento etc.


Diferentemente do gene que se replica por meio de processos biológicos e espontâneos, o meme é um vetor que se propaga por meio da imitação (mimeme). O que sugere Dawkins (2015) é que o meme transmite-se em decorrência de vetores como a cultura, a educação, e a memória. Se uma ideia, uma melodia ou mesmo uma poesia são constantemente veiculados em uma grande proporção espaço-tempo, maior será sua mimeme, ou seja, sua replicação, sua reprodução. É aí que está a associação entre gene e meme. Além disso, mesmo sendo resultado de uma replicação, de uma cópia ou uma simples reprodução, assim como nos processos que evolvem os genes, há na transmissão de memes alterações graduais em sua concepção original. Isso significa que a difusão dos memes transcorre por meio de mutação contínua, em que chegam ao receptador já parcial ou totalmente alterados.


As observações de Dawkins (2015), pioneiro nos estudos e pesquisas sobre os memes, seguem um caminho em direção à sua formação de geneticista e influenciado pelo darwinismo. Além de vincular o meme ao gene no aspecto da replicação e da reprodução, o etólogo britânico observa ainda que um meme se mantem vivo na memória conforme ele se opõe a outro. Com efeito, “se um meme quiser dominar a atenção de um cérebro humano, ele deve fazê-lo à custa de memes rivais”. Para ilustrar essa condição de disputa entre os memes, Dawkins (2015) utiliza o exemplo dos espermatozoides quando do momento da fecundação, onde, a grosso modo, transcorre uma acirrada disputa para atingir o óvulo. Dennet (1991) corrobora a perspectiva da competição dos memes de Dawkins, ao constatar que o estoque de memes é limitado, e cada mente tem uma capacidade limitada de memes, portanto, há uma forte competição entre os memes. E esta competição, segundo o autor, é a principal força seletiva no que denomina de “memosfera”, uma espécie de ambiente circulante dos memes.


Vale ressaltar que a replicação dos memes não ocorre por vontade exclusiva do indivíduo. A sua reprodução ocorre tão somente entre os próprios memes¸ em um movimento autônomo e independente do desejo do homem. Dessa forma, a transmissão replicadora dos memes ocorre por imitação, e para isso tem que se adaptar ao ambiente cognitivo dos seres vivos capazes de desenvolver essas imitações. Neste caso, os seres humanos, destacados de outras espécies de animais, apresentam em maior competência a aptidão de imitar comportamentos, gestos, hábitos, movimentos, etc (TOLEDO, 2013). O aparato cognitivo humano, portanto, seja ele capaz de escolhas ou não, pode ser considerado só como parte do ambiente ao qual o meme deve se adapatar, onde aí se tornarão mais comuns.


Há outros estudos de outros autores que partem da contribuição original de Dawkins, mas apontam para uma sofisticação das abordagens dos memes. De acordo com o site Museu dos Memes, na década de 1980, a psicóloga britânica Susan Blackmore, juntamente com um grupo de pesquisadores sob sua coordenação, promoveu a primeira tentativa de reunir elementos teóricos-metodológicos sobre os memes, numa tentativa de constituir uma ciência da memética (uma ciência dos memes). Para Blackmore (1999), os memes são uma expressão única da interatividade sociolinguística, que também interpõe-se na formação de redes de comunicação e cultura. Nesse sentido, aprendemos e acumulamos conhecimento por meio da replicação dos memes, não apenas do ponto de vista da genética, mas também da educação, da experiência e do convívio social. A intenção de Blackmore de formular uma ‘ciência dos memes’ logo foi desacreditada e sofreu duras críticas.


Dentre as críticas mais densas direcionadas à memética, constam aquelas provenientes, principalmente, das Ciências Sociais e da Antropologia. O principal argumento que sustenta essas críticas decorre da afirmação de que a memética não possui um corpus empírico e um método previamente definido. Para os próprios estudiosos e defensores da memética, o que se tem até o momento é muita discussão e produção apenas teórica, sem muita profundeza metódica e empírica (TOLEDO, 2013). Nesse sentido, a memética precisaria, antes de mais nada, de um esforço de unificação de pesquisas empíricas, realizadas pelas mais diversas áreas que estudam a cultura e o comportamento humano. Somente assim ela teria condições suficientes de se estabelecer como ciência. De todo modo, os esforços teóricos até aqui empreendidos sobre a memética desembocou em importantes contribuições, que já sinalizam para elementos mais consistentes no tocante à urgência desse arcabouço empírico, conforme salientam os pesquisadores e estudiosos do tema.


Uma outra importante contribuição à temática dos memes é a da pesquisadora israelense Limor Shifman, segundo consta na seção “O que são memes”, no site do Museu dos Memes da UFF. Levando em conta as reflexões seminais de Dawkins, Shifman entende que o memes possuem três equivalentes: ideias (conceitos), textos (discursos, artefatos culturais) e práticas (rituais). A conexão desses três equivalentes corresponderia ao determinante cultural linguístico que conformaria o conteúdo dos memes. Para Shifman, esses determinantes expressos, direta ou indiretamente nos memes, formam cadeias complexas de conceitos e induzem certos comportamentos.


Se os memes são ideias replicadores que se potencializam por meio da cultura, então acabam sofrendo interferências provenientes de processos conjunturais. Fernandes (2019) ressalta que o meme acompanha a pari passu as mudanças históricas e sociais, sendo, na contemporaneidade, consolidados como materialidade discursiva digital que passa por alterações de acordo com as necessidades das práticas socias. Na esteira dessa assertiva, Recuero (2009, p. 123) define o meme como sendo “o gene da cultura, que se perpetua através de seus replicadores, as pessoas”. A autora também admite que o estudo dos memes se relaciona com a difusão de informação e com o tipo de ideia que é difundida, podendo esta sobreviver por muito tempo ou ainda cair no esquecimento. Tais informações podem ser imagens, jogos, vídeos, textos etc.


Conforme o exposto no parágrafo anterior, os memes foram apropriados pelo ciberespaço e passaram a constituir uma materialidade discursiva, gerando uma carga multimodal, por meio de textos escritos, imagens, vídeos, dentre outros. A característica essencial dessa forma multimodal passou a ser o irônico, o cômico, o satírico (CASTRO & CARDOSO, 2015). À medida que essa apropriação foi se acentuando, outras formas discursivas nas redes foram se desenvolvendo a partir dos memes. De acordo com Viktor Chagas (2018) os memes já apresentam uma espécie de “tronco linguístico” denominada menes. Ao contrário dos memes, os menes tem um objetivo específico: o de disseminar uma ideia a partir de conteúdos em si mesmos. O que o autor tenta esclarecer é que no caso dos menes, não há nenhuma preocupação com o conhecimento, com o real, com a verdade. Não há, como há nos caso dos memes, a necessária condição de replicação, mas sim, de apresentar conteúdos tão somente instantâneos, efêmeros, despretensiosos e sem qualquer profundidade reflexiva. Nesse contexto, já se pode classificar e diferenciar os memes dos menes, como interpretação das variáveis dessa modalidade linguística que foi apropriada pela rede.


Conforme constatou Horta (2015), o primeiro registro do uso da palavra “meme” na internet é de 1998, quando Joshua Schachter, um dos elaboladores do Delicious1, criou um site chamado Memepool que reunia links virais e outros conteúdos. Em seguida, no começo dos anos 2000, Jonah Peretti, que havia criado um site chamado Contegious Media, pelo qual fazia experimentos virais, realizou, com um grupo de amigos, um “festival de virais” que contou com a presença de várias personalidades influentes na disseminação e criação de artefatos culturais na web. De acordo com Kenvatta Cheese, um dos criadores do Know Your Meme, nesse evento a teoria de Dawkins foi relembrada e a partir de então o termo “meme” começou a ser utilizado para definir tudo aquilo que se espalhava na internet. O uso do vocábulo foi reforçado também com sua utilização em entrevistas dadas por aqueles que estavam presentes no festival. Algumas manifestações culturais na rede receberam, assim, o nome de meme, que é entendido pela cibercultura como um fenômeno do ambiente virtual.


A despeito das definições e conceituações, os memes passaram a representar, de modo muito mais objetivo, elementos da cultura popular nos ambientes virtuais. Hoje, memes são um fenômeno típico da internet, e podem se apresentar como imagens legendadas, vídeos virais ou expressões difundidas pelas mídias sociais. Próprios do universo das comunidades virtuais, eles são geralmente compreendidos como conteúdos efêmeros, vulgarmente encarados como “besteirol” passageiro ou “cultura inútil”, fruto de sua utilização da linguagem do humor.


Vejamos alguns modelos de memes pioneiros que se tornaram virais, isto é, tornaram-se muito populares, se espalhando rapidamente pela web.


Figura 1 – Meme Yao Ming (nem ligo)


Fonte: Silva (2012).

De acordo com Silva (2012), o meme da Figura 1 foi criado a partir de uma imagem de um ex-jogador de basquete chinês chamado Yao Ming. A principal função desse meme é representar o momento em que uma pessoa faz algo que seja considerado engraçado, algo geralmente absurdo, não se preocupando com as consequências. Foi e ainda conitnua sendo um dos memes mais conhecidos e viralizados na internet.

Figura 2 – Meme Trollface (face de troll)


Fonte: Silva (2012).

Outro meme muito difundido pela internet é o representado na Figura 2. O Trollface ou “face de troll”, é um meme que se destina à zombaria sem precedentes, a partir das práticas e ações jocosas entre indivíduos. Com o tempo, o referido meme ganhou conotações provocativas, passando a representar indiretamente ataques individuais com teor burlesco e irônico. Foi dessa conotação que o termo Troll acabou se traduzindo para “trolagem”, ou seja, quando alguém pratica alguma ação que tem por finalidade zombar e/ou caçoar de outrem. É muito comum nas redes sociais o uso desmesurado das expressões “trolar fulano ou ciclano” ou “eu fui trolado” (Silva, 2012).

Figura 3 – Meme ‘Lol’


Fonte: Silva (2012).

O lol (Figura 3), deriva do inglês laughing out loud que significa “rindo fora de controle”. É um meme que representa uma pessoa achando graça e, como o próprio nome do meme diz, rindo de algo. Também é um meme amplamente vulgarizado na internet, tendo sido caracterizado por sua função de zombaria e avacalhação.

Sendo a linguagem uma instituição social justaposta a uma coletividade (SAUSSURE, 1979), compreender o fenômeno dos memes nos leva, automaticamente, a observar as variações das expressões linguísticas. Conforme Santaella (1983), somos seres simbólicos, seres de linguagem, que reverberam representações daquilo que vivenciamos e experenciamos. Nesse sentido, os memes vão além da mera replicação espontânea, transmissão de cérebro a cérebro, já que constituem uma modalidade (ou variedade) linguística. Para Candido e Gomes (2015), são os memes uma nova forma de expressão muito específica, que como toda linguagem, apresenta uma dada regularidade, mesmo que seu intuito seja o de recriar, reproduzir, expandindo suas intencionalidades, suas ideologias. Em última instância, os autores chamam a atenção para um aspecto importante. Se os memes constituem uma nova forma de expressão ou modalidade linguística específica do ciberespaço, mas que não se restringe tão somente a este, poderíamos então supor uma semiótica dos memes, já que somos produtores, replicadores e consumidores de imagens, signos e símbolos. Evidentemente que a afirmação não está devidamente posta em bases teóricas e empíricas consistentes, como já destacamos nos parágrafos anteriores. Todavia, pensar nessa possibilidade pode indicar bons caminhos na formulação de uma base teórico-linguística concernente na análise dos memes.


Em pesquisa dissertativa, Horta (2015) afirma que os memes devem sim ser estudados à luz da semiótica. Para a autora, os memes são um fenômeno da linguagem que emerge de práticas comunicacionais em um meio (web), tomando este como uma esfera sígnica. Ademais, os memes também são apontados, conforme conclui a autora, como manifestações ciberculturais, onde é possível entender o mundo, (re)sinificando as informações que se apresentam em seu cotidiano, algo que implica mediação, compreensão e crescimento cognitivo. Em suma, o ‘meme’ seria uma modalidade de linguagem da internet, que em suas especificidades, transmutam-se em representações do cotidiano e do mundo, ao qual alcança o campo da cultura. Na Figura 4 temos uma representação dessa modalidade linguística retratando eventos do cotidiano.

Figura 4 – Meme que ilustra fatos recentes do cotidiano

Fonte: Instagram @choplinsincero (2020).

Se o ambiente virtual possibilita interações sociais específicas, os memes, que nesse espaço circulam e se reproduzem velozmente, constituem modelos de comunicação e transmissão de informações e dados do que Lévy (1999) denomina de “cibercultura”. Para o autor, a cibercultura é um conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. Em outras palavras, trata-se de um conceito historicamente situado ao abarcar fenômenos que relacionam tecnologias, sociedade e, especificamente, produções comunicacionais. Depreende-se das assertivas de Lévy (1999), sobretudo no que diz respeito aos memes, que estes são expressões de uma linguagem produto especifico de um espaço (o ciberespaço – ambiente virtual), mas que se traduz em modelos de comunicação, educação e de linguagem (cibercultura).


Ultimamente, tem-se utilizado com frequência os memes como recurso pedagógico em diversos níveis do processo de ensino-aprendizagem. Existem páginas inteiras nas redes sociais dedicadas quase que exclusivamente na produção e disseminação de memes educativos. Muitos professores utilizam esses memes como instrumento de associação lógica e hermenêutica do conteúdo desenvolvido, sendo uma metodologia que integra ao mesmo tempo informação, conhecimento e o lúdico. Alguns pesquisadores vem desenvolvendo estudos e análises do uso e dos efeitos desse tipo de meme na aprendizagem. Cavalcanti e Lepre (2018) endossam o argumento pedagógico dos memes por meio de estratégias que possam amalgamar conhecimento e interatividade. Dessa forma, os memes podem ser utilizados em diversos momentos de uma sequência didática, como por exemplo no levantamento de conhecimentos prévios dos estudantes, como uma maneira de estimular a atenção e discussões sobre o tema da aula ou mesmo como instrumento de avaliação da aprendizagem. Além disso, trazer os memes para a sala de aula pode contribuir para a pluralidade de ideias e visões de mundo, no processo de entendimento das múltiplas realidades sociais, bem como na inserção e assimilação de temas as vezes complexos para os professores e estudantes.

Abaixo podemos observar dois modelos de memes utilizados como recurso didático em sala de aula.

Figura 5 – Meme sobre o Nazismo

Fonte: Cavalcanti e Lepre (2018).

Por meio da observação do meme acima, fica evidenciada a possiblidade de exposição de temas diversos na sala de aula relacionados a disciplinas como a História, por exemplo. Aliás, em se tratando do uso dessa modalidade de linguagem e expressão em ambientes escolares, destaca-se a frequência com que professores desse disciplina, em particular, usufruem de inúmeros memes em exposições de um determinado assunto e também em avaliações. Professores de outras disciplinas também fazem uso dos memes como recurso didático, como podemos perceber na Figura 6. Nela, é possível depreender uma lição de ortografia, constituindo uma maneira ao mesmo tempo sensível ao correto uso da expressão em tela e o ludicidade, o que desperta a atenção do aluno.

Figura 6 – Meme sobre o uso da ortografia

Fonte: Facebook Palavra Certa (2016).

Conforme se está tentando demonstrar, no âmbito da educação, um dos aspectos significativos da linguagem memética é potencializar o uso da tecnologia da informação e da comunicação no espaço da escola. Nessa perspectiva, convém observar a possiblidade do desenvolvimento de atividades pedagógicas articuladas, envolvendo a ludicidade e a criatividade dos sujeitos, tomando como referencial, logicamente, a realidade premente de cada instituição educativa (SILVA, 2018). Se estamos lidando com jovens e adolescentes mergulhados no mundo digital, vivenciando experiências específicas desse ambiente, como professores, nada mais vantajoso para enriquecer o processo de ensino-aprendizagem do que dispormos das ferramentas e linguagens presentes nestes espaços. E, nesse sentido, os memes constituem importante objeto de aplicação de determinada estratégia de conexão da vivência e experiência do aluno, com aquilo que se deseja transmitir de conhecimento e informação.


Na perspectiva de Cadena (2018), somos submetidos, a todo instante, a um grande número de informações e, consequentemente, as mídias sociais desempenham um forte papel nessa difusão. Assim sendo, numa sociedade cada vez mais conectada, os saberes terminam por se descentralizarem. O monopólio acadêmico e escolar na produção de saberes perdem sua hegemonia. Dito isso, os memes apresentam muita potencialidade para utilização como recurso didático nas aulas, por entender que questões sensíveis na vida dos estudantes devam fazer parte dos conteúdos a serem problematizados em sala e não somente aqueles prescritos no currículo.

Embora seja uma ferramenta pedagogicamente válida, o uso de memes no processo de ensino-aprendizagem deve ser cuidadosamente analisado. Deve buscar a coerência com as disciplinas e os temas a serem desenvolvidos, para não se promover apenas divertimento e ironia sem reflexão e conhecimento. Em nenhuma circunstância deve o meme substituir processos de ensino e aprendizagem essenciais, mas devem apenas serem utilizados como ferramentas de conexões e associações prévias dos conteúdos com a vivência do aluno.

Conforme Silva (2012), os memes se tornaram uma forma de comunicação contemporânea potencializada pela internet e as diversas plataformas digitais. Para o autor, a linguagem contemporânea, por meio da memética, parece oportunizar uma valiosa forma de expressão e, quem sabe, de permitir que também esta geração construa sua própria história. Embora exista muita resistência de significativa parcela dos cientistas, pesquisadores e também de boa parte da academia e universidades, o estudo e a análise dos memes não tardará, ao meu ver, em ocupar espaço de destaque nos grandes centros de pesquisa. A limitação ao avanço de estudos e pesquisas mais densas e profundas sobre essa atomizada forma de expressão e modalidade linguística é de grande parte derivada de suspeitas teórico-metodológicas, preconceitos de ordem intelectual e indiferença científica.


Embora, como já mencionamos no início deste texto, exista uma considerável produção bibliográfica sobre o tema dos memes, para consolidar um corpus teórico-metodológico e empírico consistente, seja necessário romper as barreiras dos estereótipos e das desconfianças. E aqui é preciso um adendo. Esse ‘avançar’ nos estudos e pesquisas sobre os memes precisa superar as noções pré-concebidas de que este não seja um tema relevante, constituído apenas de conteúdos jocosos. Uma sugestão para tal superação, poderia estar em um esforço de tornar o tema dos memes objeto de uma interdisciplinaridade, circunscrevendo-o em diversas áreas do conhecimento, e não apenas considerando-o como temática tão somente circunspecta aos campos da comunicação, da publicidade e da linguística. Valiosas seriam as contribuições da História, Geografia, Sociologia, Antropologia, Filosofia, Psicologia, entre outras. Ainda mais ricas seriam se todas essas ciências fornecessem, cada uma a seu método, os substratos para uma genuína ciência memética.


É evidente que a abordagem dos memes necessita de maior atenção. No entanto, não tomamos em absoluto uma espécie de supervalorização teórica do objeto, ao ponto de cairmos na armadilha da romantização. Como já o salientamos, a discussão dos efeitos sociais e culturais dos memes deve considerar as reflexões já existentes, e partir de novas propostas de investigação. É claro que por trás desse objeto, como em outros, existem intencionalidades, ideologias. Dessa maneira, evidencia Souza (2013), que as representações ideológicas contidas nos memes revelam-nos que as relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos, e seus efeitos são múltiplos e variados. Ora, como não levar em conta, numa abordagem séria e coerente dos memes, a produção e replicação frenética de Fake News por meio de robôs nos ambientes virtuais, em especial nas redes sociais. Temas que vem suscitando importantes reflexões, não apenas teóricas, mas políticas e ideológicas.


O assunto, como qualquer outro, não se esgota. O texto tão somente procura considerar essa modalidade de expressão que vulgarizou-se na rede e, mais do que nunca, faz parte de nosso cotidiano.





Referências:


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