O interior tem lava quente, potente, fértil, que quando aquecida pulsa, se mostra viva, transcende e cria extensões de si.
O interior é feminino, uterino, colorido, possui raízes que se alimentam de uma história ancestral.
O interior é sertão, esquecido, preguiçoso só pra quem esta de fora, para os de dentro, é trabalhoso, generoso.
O interior é de Liós, Santanas, Belonísias, Bibianas, Procópias, doutoras dos saberes e fazeres deste chão que preenchem diuturnamente suas mãos.
O interior tem vozes graves que se aglutinam, entoam cânticos, evocam encantados em suas ladainhas
Estas vozes serpenteiam, possuem caminhos próprios, se encontram e criam um movimento de luta no interior de quem está dentro, no miolo.
As vozes do interior por décadas foram isoladas, caladas, não escutadas
Mas em coro se organizam
Tem rima
Tem dança
Tem luta que povoa[1] corpos
Tem luta que ocupa espaços.
As vozes do interior desabrocham, florescem como ipês em um agosto seco
Fruto da r-existência está no físico e simbólico
Fiam, tecem novos arranjos para antigos territórios.
As vozes do interior saíram da origem
Povoaram
Povoam
Expandem territorialidades.
As vozes do interior têm cor, tem lenço na cabeça, tem trança que entrança
As vozes do interior têm mãos firmes, com sulcos profundos que refletem a lida
As vozes do interior têm corpos altivos, mas também miúdos.
Elas rodam suas saias em noite de lua
Tocam a vida como uma curraleira em ritmo acelerado
Sorriam como se esquecessem o amanhã
Pois o hoje tem Sussa, tem encontro, tem reza, tem poesia na vivência.
As vozes do interior se vestem de vermelho
O sopro é coletivo, o timbre é aveludado e firme
A canção é pela terra, pelo corpo, pelo povo, pelo território.
As vozes do interior não andam sozinhas
De mãos dadas, sendo margaridas[2] ou outras flores
Juntam pétalas, juntam lutas, formam elos, constroem pontes.
As vozes do interior dão a luz a outras vozes
Que se mostram encorajadas por seu veio ancestral
Elas abrem novos caminhos, mas percorrem trilheiros que as levam ao seu interior, para o colo genitor
Esta voz interiorana é feminina, ela grita e precisa ser escutada.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, M. G. Em busca da poética do Sertão: Um estudo das representações. In: ALMEIDA, M. G.; RATTS, A. J. P. (Org.). Geografia: leituras culturais. Goiânia. Alternativa, 2003.
ANTÔNIO FILHO, F.D. “A Propósito da Palavra ‘Sertão’”. I Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico. Rio Claro: IGCE/UNESP/RC, 1999.
PORTO-GONÇALVES, C. W. Pela vida, pela dignidade e pelo território: um novo léxico teórico político desde as lutas sociais na América Latina/ AbyaYala/ Quilombola. POLIS Revista Latinoamericana.Ciências e sociales: desafios y perspectivas. 2015.
GONÇALVES, Carlos W. Geo-grafías. Movimientos Sociales, Nuevas Territorialidades y sustentabilidad. (México, Siglo XXI). 2001.
GONÇALVES, Carlos W. Da geografia às geo-grafias — um mundo e m busca de novas territorialidades. In La guerra infinita — hegemonía y terror mundial, Clacso, Buenos Aires, Argentina. 2022.
RODRIGUES, C. G. SUSSAS E CURRALEIRAS KALUNGA: Na folia do Divino Pai Eterno da cidade de Cavalcante e na Festa de Santo Antônio da Comunidade do Engenho II. Dissertação apresentada ao curso de mestrado em Música do Programa de Pós-Graduação da Escola de Música e Artes Ciências da Universidade Federal de Goiás, 2011.
Notas:
*Texto em homenagem a Iaiá Procópia dos Santos Rosa, reconhecida no dia 24 de agosto de 2022 como Dra Honoris Causa pela Conselho Universitário da Universidade Estadual de Goiás. [1] Referência à música POVOADA, Sued Nunes. [2] Marcha das Margaridas é uma ação estratégica das mulheres do campo e da floresta que integra a agenda permanente do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) e de movimentos feministas e de mulheres.
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